terça-feira, 6 de setembro de 2011

CRISE DE CRIATIVIDADE NOS QUADRINHOS



Pelo visto, a roda precisa ser reinventada...

:: UMA RARA DECLARAÇÃO HONESTA
"Relaunch". "Reboot". Talvez essas tenham sido as duas palavras mais faladas/escritas no mercado de quadrinhos nos últimos meses.

O que me fez escrever este texto foi essa declaração:

“THE TRUTH IS PEOPLE ARE LEAVING ANYWAY, THEY’RE JUST DOING IT QUIETLY, AND WE HAVE BEEN PAPERING IT OVER WITH INCREASED PRICES...WE DIDN’T WANT TO WAKE UP ONE DAY AND FIND WE HAD A BUNCH OF $20 BOOKS THAT 10,000 PEOPLE ARE BUYING.”
- Dan Didio.

O que o presidente da DC Comics disse foi: "A verdade é que as pessoas estão deixando de ler quadrinhos, deixando de ler aos poucos e tudo que temos feito é aumentar os preços das revistas... só que não queremos acordar um dia com quadrinhos custando vinte dólares que dez mil pessoas estão comprando".

Claro que as pessoas não estão lendo mais. Não há nada de novo nos quadrinhos há tantos anos que não sei mensurar. Não adianta novas séries, personagens diferentes se os mesmos truques criativos continuam a ser usados.

Olha, ele morreu...
:: ISTO É O QUE ACREDITO QUE ESTÁ ACONTECENDO
Pode me chamar de inocente, mas acredito que a queda nas vendas de quadrinhos tem menos a ver com preços, estratégias de marketing, distribuição e afins. Claro, cada um desses aspectos influencia, teu seu grau de poder destrutivo nas vendas. Porém, acredito que há algo muito, muito pior e que é sim o principal responsável pela queda de vendas.

Brincando com algumas sagas da DC e usando de um velho termo, o problema é crise de criatividade.

Em outras palavras, os recursos, truques e macetes usados nas histórias são os mesmos há 234634572342 anos. Não há inovação alguma. Os personagens continuam os mesmos e isso é a morte para uma história ficcional. Uma das coisas que é parte da base de técnicas de roteiro é o fato de que personagem precisam mudar. Ao final de uma história, eles precisam aprender algo, mudar de opinião sobre alguma coisa, desenvolver conhecimento/habilidades novas, ter o curso de sua vida alterado por algo dramático. Isso é básico para cinema, TV, literatura, o que você quiser. Não é o caso, infelizmente, dos quadrinhos de super-heróis. Vamos ver por que e quais são alguns desses truques são esses? Acredito que nos comentários, muitos leitores vão dizer o que criativamente não aguentam mais. Creio que seria quase uma utilidade pública, não é?

:: MORTE
Um herói morre. E depois revive. Outro herói morre. Também revive. Mais um herói morre e o que ele faz? Volta do além. Aí morre mais um e adivinha o que os roteiristas fazem? Você entendeu.

O recurso da ressurreição banalizou a morte nos quadrinhos. Ninguém mais se importa. Não alavanca vendas como antes. Perdeu o significado. O recurso foi usado e abusado até um nível obsceno (senão mais) e hoje os leitores riem quando um herói morre, isso quando tem alguma reação a esse acontecimento.

... mas voltou! A morte foi banalizada
nos quadrinhos. Ninguém mais acredita.
Morreu? Morreu. Simples assim. A editora se arrependeu de ter matado o herói? Que outro personagem diferente continue o legado. É por isso que o Fantasma é o melhor personagem já criado em todos os tempos. O novo Fantasma não deu certo? Mata, inutiliza ele, sei lá, mas tire ele de lá e coloque um novo na linhagem. Dê a eles um tratamento estilo Batman Beyond ou Peter Parker/Miles Morales. Um novo cujas características foram criadas após cuidadoso estudo sobre o gosto do público atual. Quem você matou foi Peter Parker, não o Homem-Aranha. Quem você matou foi Diana, não a Mulher-Maravilha. O conceito continua vivo. E com uma nova persona no lugar, pode ser atualizado e remodelado para que continue fresco, atual, novo. Enfim, que desperte a curiosidade das pessoas. Encerre a era de Tony Stark e coloque alguém novo que dê um ar fresco ao Homem-de-Ferro. Um personagem esgotou suas possibilidades? Renove-o assim e não através de retcons e reboots. Recontar a origem pela milionésima vez para colocar "elementos novos" não funciona mais.

Com um personagem novo continuando o legado de um anterior, você marca uma fase. Olha, temos a fase de Bruce Banner como Hulk. Agora é a fase do quem-quer-que-seja como Hulk. Mas o que Banner fez antes tem grande impacto na vida desse quem-quer-que-seja. O legado, o conceito vive. A história move adiante.

E isso me leva a outro tópico...

Pra que fazer isso...
:: RETCONS
Por tudo quanto é mais sagrado, o que aconteceu com Gwen Stacy permanece com Gwen Stacy. Já foi, é passado. Faça com que Peter supere de alguma forma em alguma história épica, que seja. Mas supere. Não quero vê-lo como o chorão supremo. Quero vê-lo como um herói, que supera as dificuldades com dignidade, seja elas quais forem.

Mova a história do personagem adiante, não utilize retcons. Conte coisas novas. Traga novos conceitos, novas abordagens a cada história. Faça os personagens aprenderem coisas novas. Mas aprendam e não esqueçam. Digo isso porque não consigo me lembrar da última vez que alguém usou a noção de geometria espacial que Ciclope possui e que o fazia usar seus raios óticos de forma ofensivamente impressionante.

Outro problema com retcons é que a cronologia do personagem vira uma colcha de retalhos. Isso só causa mais problemas conforme o tempo passa. É como ter 50 ovos em uma cesta que só cabe 15 e você está lá, colocando mais 70 na cesta.

O retcon também vai contra uma regra suprema dos roteiristas, a regra do K.I.S.S. - "keep it simple, stupid". Mas não, lá vai mais um retcon para acrescentar mais problemas cronológicos que outros terão que ficar arrumando depois quando deveriam contar apenas uma boa história.

... quando a última memória dos leitores com ela
poderia ser a de uma história grandiosa?
:: MEGASAGAS
Vou fazer um pedido - e imagino que muitos irão me apoiar entre as pessoas que colocarem seus olhos neste texto - por favor, banimento (quase) total das megasagas. Acaba uma megasaga, já tem outra na sequencia. E cada um dos títulos passando por uma megasaga. Tem megasaga do Batman, Homem-Aranha, Lanterna Verde, Vingadores e blá, blá, blá.

Quando várias acontecem ao mesmo tempo e uma atrás da outra, como ela pode ser grande? Como pode ser especial? Como pode ser relevante?

Nas revistas, contem histórias. Apenas histórias. Façam seus arcos de história. Contem uma história com quatro edições. Na sequência, contem outra com três. Contem outra com cinco. Só não contem com muitas partes. Um arco com muitas edições prende muito o leitor. Economicamente vantajoso mantê-lo preso por quase um ano ou mais? Desculpe, isso já não cola com os leitores.

Contem apenas uma história atrás da outra. Simples assim. Depois de uns três ou quatro anos, faça uma megasaga com aquele personagem.E outra só dali a mais alguns anos. Deixe os leitores aguardando sedentamente por isso.

E isso também me leva a outro tópico...

:: CROSSOVERS
Parem com isso. Hoje, todos os personagens estão aparecendo em todas as revistas. Pra que comprar Mulher-Maravilha se ela aparece também na revista da Liga da Justiça, Novos Titãs, em mais duas ou três revistas e ainda na megasaga do momento? Qual foi a última vez em que algum personagem teve uma fase em que as histórias giravam apenas em torno dele e de seus respectivos coadjuvantes, adicionando camadas a eles? Desenvolvendo-os? Tornando-os melhores?

Crossovers e megassagas: precisa mesmo toda hora?
Com crossovers sendo raros, os fãs esperarão ansiosamente quando eles se cruzarem. Se isso ocorrer, que ocorra por necessidade criativa e não como muleta para qualquer outra coisa.

Se um personagem menor fica popular, não dê a ele uma revista mensal. Faça justamente o contrário. Faça-o aparecer esporadicamente. Os leitores pedirão mais, comprarão mais quando ele aparecer. Agora, se todos adquiriram uma "síndrome de Wolverine", como quer que os leitores peçam mais? Um crossover deveria ser um "putaquepariu, eu quero muito ver esses dois juntos" vindo dos leitores.

Agora imaginem as megasagas onde são elas junto com crossovers. É de doer, fala sério. Quer fazer uma megasaga? Faça com uma linha de personagens. Não faça com o elenco inteiro da editora. Espere um evento realmente épico para fazer uma megasaga+crossover.

:: REALIDADES ALTERNATIVAS
Aqui, eu acho que é o cúmulo do retcon+megasaga. Há realidades alternativas bacanas? Há, mas são uma minoria asmática perto das histórias ruins feitas com essa ideia. Uma realidade alternativa tem que ser relevante de alguma forma para o personagem e não algo como um "retcon do futuro". No passado ou no futuro, o conceito de retcon falado anteriormente continua o mesmo.

À força, os americanos entraram nos portos japoneses...
As realidades alternativas também acabam com o esquema de "contar uma história após a outra" falado no tópico das megasagas.

:: OUTROS TRUQUES BATIDOS
Como disse anteriormente, esses aqui seriam apenas alguns truques que os leitores não aguentam mais e com certeza eles tem sua "lista de truques batidos". Se eu colocasse aqui todos os truques batidos da minha lista, viraria uma tese acadêmica, um livro.

Baseado no que foi descrito aqui, faço um convite a Geoff Johns, Brian Michael Bendis, Mark Millar, Scott Snyder, Kurt Busiek, Peter David e cada um dos roteiristas do mercado americano: revisem seus truques. Criem novos truques. Criem novas formas de contar histórias. Criem novas saídas, novas estratégias. Não adianta um relaunch ou um reboot se cometem os mesmos erros.

Décadas atrás, a DC liderava o mercado de quadrinhos. Seus heróis eram deuses, figuras mitológicas acima dos mundanos humanos normais e suas peripécias e aventuras encantavam e impressionavem os leitores. Aí surgiu a Marvel, com uma nova e fantástica abordagem: trazer para perto do leitor os super-heróis. Agora os leitores sentiam que eles poderiam ser super-heróis ao conhecer Peter Parker, Donald Blake, Matt Murdock e outros.

... mas não querem nenhum estrangeiro na área deles. Pode não
ser lá, mas em outros países isso se chama "hipocrisia".
E o mundo dos quadrinhos nunca mais foi o mesmo devido a esse novo conceito.

Acredito então que o mercado de quadrinhos atualmente precise de outro evento de igual importância como foi o surgimento da Marvel na década de 60. E acredito que isso só ocorrerá se novamente tivermos novos conceitos. Roteiristas, procurem entender o mundo atual. O mundo mudou muito, desnecessário dizer isso. Mas só os super-heróis continuam os mesmos. E isso, infelizmente, os está matando mais rápido que a onda de antimatéria do Antimonitor.

A roda foi criada com o Superman em 1938. Ela foi reinventada com o surgimento da Marvel em 1962. Precisamos reinventá-la uma vez mais.

2 comentários:

  1. Ótimo texto. E acho que o título também poderia ser "Tudo o que não terá na Zap! HQ". lol

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  2. Por estes motivos atualmente só leio quadrinhos japoneses (mangás). Hoje os heróis das comics norte-maericanas só sobrevivem por conta de fãs de meia idade e superficiais filmes hollywoodianos, nada mais.

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