terça-feira, 21 de dezembro de 2010

AS MELHORES HQS DE 2010

Sei que comecei este blog como um portfólio de redação, publicando aos poucos minhas velhas matérias e críticas outrora publicadas no saudoso e extinto site A ARCA. Porém, pensando cá com o Tico e o Teco, resolvi intercalar com textos atuais. Assim mantém o caráter de portfólio e não fico publicando apenas textos antigos.

Pra começar, eis que estou aqui para o MELHORES HQS DE 2010, por este que vos escreve.

O Melhores HQs de 2010 é um apanhado daquilo que acho que vale o seu suado tutu mensal e que proporcionará um épico prazer de leitura. Preferi não escrever sinopses pra não estragar a surpresa para o leitor. Na minha humilde opinião, às vezes, mesmo sinopses bem feitas, livres de spoilers, tiram a sensação de surpresa. Sem enrolação, aí vão os meus:

10 - O QUE ACONTECEU AO HOMEM MAIS RÁPIDO DO MUNDO? - Gal Editora
Tendo um acabamento primoroso, essa HQ inglesa editada aqui pela Gal Editora é um achado. É uma história de super-heróis e o título pode confundir os mais desavisados, achando que trata-se de algo relacionado ao Flash, mas ao botar os olhos na capa, já vemos que não é nada disso. Com aspecto de jornal, a capa já é diferente de tudo que você vê por aí nas outras HQs. O roteiro é direto e sucinto, sem enrolações e ainda por cima é um brilho de criatividade na mesmice das HQs da turminha de colante - embora o protagonista, graças ao bom Deus, não usa tal artifício neste caso - sendo cativante, emocionante e dando um nó na garganta de qualquer um.

Roteiro: Dave West
Arte: Marleen Lowe
64 páginas
R$ 22,00
http://www.galeditora.com.br/Livros/O-Que-Aconteceu-ao-Homem-Mais-Rapido-do-Mundo/Descricao.html  

9 - VERTIGO MENSAL - Panini Comics
Uma das melhores HQs mensais publicadas hoje, ficando fácil fácil em um top 3 entre tais. Sua variedade de títulos e gêneros é um brinde a todos os gostos, indo do fantasioso absurdo de Lugar Nenhum, passando pela histórica Viking e indo até as bizarrices de Casa dos Mistérios, a sinistra Escalpo e tendo como carro-chefe ninguém menos que Hellblazer, Vertigo é algo de encher os olhos. E a linha acaba de ficar ainda melhor com a publicação de Vampiro Americano, de Stephen King, Scott Snyder e Rafael Albuquerque. É bonito ver também a dedicação de Fabiano Denardin, editor da linha, com tal publicação, mantendo vários extras bacanudos no blog da revista, fazendo uma interação bem legal entre a revista e os leitores. Se não comprou uma até agora, é um pecado enorme.

Roteiro: Vários
Arte: Vários
132 páginas
R$ 9,90
http://web.hotsitepanini.com.br/vertigo/

8 - NAMOR - AS PROFUNDEZAS - Panini Comics
Uma história do Namor onde ele quase não aparece. Quase não fala. E mesmo assim, um clássico absoluto da nona arte. Esse encadernado de luxo é simplesmente a melhor história do personagem desde sua criação. Tendo um clima que lembra muito o filme O Predador - mas com o príncipe atlante no lugar do alienígena - é uma história de suspense absurda, onde qualquer um que coloca os olhos passa de página para a página numa velocidade impressionante. E olha que eu não gosto do conjunto da obra do roteirista Peter Miligan. Quem dera ele escrevesse sempre assim. A arte belíssima de Esad Ribic entrega a melhor interpretação visual desse lendário personagem. Essa HQ é tão impactante que dá pena da Marvel não seguir essa abordagem para o personagem em seu universo. Chega a ser quase um filme pronto para Hollywood adaptar.

Roteiro: Peter Miligan
Arte: Esad Ribic
132 páginas
R$ 22,90
http://www.paninicomics.com.br/web/guest/productDetail?viewItem=633897

7 - FRACASSO DE PÚBLICO: DESENCONTRO DE TITÃS - Gal Editora
A Gal Editora, empresa nova no ramo de quadrinhos, emplaca sua segunda publicação entre os melhores do ano, comprovando o gosto apurado e o cuidado superprofissional do editor Maurício Muniz. Essa HQ é continuação da Fracasso de Público - Heróis Mascarados e Amigos Encrencados. Ok, você precisa ler a anterior para pegar o que acontece nesta, mas para quem leu a primeira, que já é ótima, esbalda-se com o conteúdo da continuação, levando os personagens a lugares e situações que são puramente imprevisíveis. Os personagens são tão carismáticos e reais que fica difícil escolher um preferido. Se fosse descrever esse ótimo trabalho de Alex Robinson seria dizer que ele é o equivalente nos quadrinhos da clássica sitcom Seinfeld, sendo mais uma maravilhosa história sobre o nada. E mesmo sendo sobre o nada, é brilhante.

Roteiro: Alex Robinson
Arte: Alex Robinson
192 páginas
R$ 36,00
http://www.galeditora.com.br/Livros/Fracasso-de-Publico-Desencontro-de-Titas/Descricao.html

6 - XAMPU - LOVELY LOSERS - Devir Livraria
Ok, atualmente Roger Cruz tem pouco apreço pelas HQs de super-heróis e é uma pena. Seu talento na arte é maravilhoso e ficaria ainda melhor fazendo alguma coisa heróica para o mercado brasileiro, já que o americano perdeu o brilho pra ele. Mas isso nos traz uma consequência sensacional, que é esta HQ genial, que revela não só um artista em seu mais alto grau de sensibilidade, mas também um primoroso roteirista. Por mim, Roger revezaria entre HQs autorais como essa e HQs de heróis nacionais - sim, eu acredito e apóio. Falando nisso, esse é o primeiro álbum de uma série de três, então prepare-se para mais coisas maravilhosas criadas por ele. A HQ já é maravilhosa para qualquer leitor e fica ainda melhor se você é como eu, que teve a infância nos anos 80 e melhor ainda pra quem teve a adolescência nessa época. Acerto fenomenal de Roger, da Devir e uma pérola para o quadrinho nacional.

Roteiro: Roger Cruz
Arte: Roger Cruz
80 páginas
R$ 29,50
http://www.devir.com.br/hqs/xampu_v01.php

5 - KICK-ASS - QUEBRANDO TUDO - Panini Comics
Ok, o preço é salgado, mas convenhamos: é uma das histórias mais bizarramente hilárias que apareceram nos últimos anos. Ver as peripécias de Dave Lizewski ao tentar ser um super-herói da vida real é algo indescritível de engraçado e triste ao mesmo tempo. E acompanhar as conversas com seus companheiros de escola é quase como voltar no tempo para qualquer leitor de quadrinhos. Vai dizer que você não tinha conversas semelhantes com seus amigos leitores? Essa HQ tem tantas camadas críticas e humorísticas que fica difícil dar destaque para alguma coisa. E como cereja do bolo, nada melhor do que a estupenda arte do veterano John Romita Jr. Kick-Ass é simplesmente obrigatório na estante de todo leitor que se preze.

Roteiro: Mark Millar
Arte: John Romita Jr.
212 páginas
R$ 60,00
http://www.paninicomics.com.br/web/guest/productDetail?viewItem=635074


4 - HOMEM-ARANHA DA LINHA ULTIMATE - Panini Comics
Bom, coloquei o título assim porque nesse ano, a revista mudou de nome. De Marvel Millennium: Homem-Aranha, passou para Ultimate Marvel e também é a única HQ da linha que se mantém com regularidade na questão da qualidade. O que importa é uma coisa só: Homem-Aranha. Ok, tivemos atrocidades como a "saga" Ultimatum e altos e baixos constantes das outras histórias do Ultiverso, mas a versão século XXI do amigão da vizinhança vale cada centavo e é uma raridade entre as histórias de super-heróis atualmente. Embora de início seja esquisito ver a arte de David Lafuente, que entrou no lugar do sensacional Stuart Immonen, não estraga em nada os roteiros primorosos de Brian Michael Bendis. Essa versão do aracnídeo é tudo que ele sempre deveria ser e ainda arrisco dizer que a Marvel poderia apagar o Aranha tradicional - já que ela tem mania de apagar tudo, como casamentos, por exemplo - e deixar esse Aranha como o do universo tradicional.

Roteiro: Brian Michael Bendis
Arte: David Lafuente
76 páginas (Mas fique só com as 22 de Homem-Aranha. Vingadores Ultimate tá legal também, mas o resto é dispensável)
R$ 6,50
http://www.paninicomics.com.br/web/guest/titulos_detail?category_id=131747

3 - MONDO URBANO - Devir Livraria
Rafael Albuquerque, Eduardo Medeiros e Mateus Santolouco deviam entrar no hall dos deuses das HQs depois dessa obra. Ok, ok, ela já tinha sido publicada em partes anteriormente, mas agora é o lance pra valer. Tudo juntinho, num álbum só, bonitinho para sua estante. Sexo, drogas e rock é uma combinação explosiva para narrativas e os três fazem um belo uso desse controverso estilo de vida como ferramenta para mais uma obra sem precedentes na arte sequencial. Tem identidade e linguagem próprias, enquadramentos muito bem escolhidos e um clima sensacional. Cada quadrinho fala por si, sem um único espaço disperdiçado tanto no roteiro quanto na arte. É uma história de cunho universal e a prova disso é que também foi muito bem elogiada no mercado americano. É uma verdadeira aula de quadrinhos. Leia e aprenda.

Roteiro e Arte: Rafael Albuquerque, Eduardo Medeiros e Mateus Santolouco
128 páginas
R$ 25,00
http://www.devir.com.br/hqs/mondo-urbano_v001.php

2 - Arco SUPERMAN: ORIGEM SECRETA (revista Superman nº 90 a 95) - Panini Comics
Quem disse que nunca mais teríamos nada de Christopher Reeve como Superman? Graças a esse arco, por mim, Geoff Johns e Gary Frank ficariam eternamente nas histórias do azulão. Eles já tinham feito arcos maravilhosos do personagem antes de atualizar a origem do maior e mais famoso dos super-heróis, mas é essa história que me fez soltar lágrimas. Me vi novamente com seis anos de idade, como se tivesse vendo novamente a Superman - O Filme, mas com camadas adicionais proporcionadas pela dupla. Em uma época em que cada vez mais eu quero me sentir criança novamente lendo quadrinhos, essa é uma obra que acertou em cheio e revitaliza o motivo de porque adotei essa mídia como aquela que ficará pra sempre em meu coração. Ok, é mais uma origem do Superman, a cada semana a DC inventa uma nova versão e embora a de John Byrne continue minha preferida, esta aqui é uma jóia no meio do trem desgovernado que rege os roteiristas atuais do mercado.

Roteiro: Geoff Johns
Arte: Gary Frank
76 páginas
R$ 6,50
http://www.paninicomics.com.br/web/guest/titulos_detail?category_id=118902

1 - BANDO DE DOIS - Zarabatana Books
Sim, em primeiríssimo lugar, uma obra nacional. Tudo que Danilo Beyruth aprendeu fazendo quadrinhos na marra com seu já sensacional Necronauta, ele faz melhor aqui. Sua narrativa está afiadíssima, seu traço com o pincel é inigualável e seus talentos roteirísticos estão se aprimorando cada vez mais. Beyruth é um verdadeiro Eisner tupiniquim e esse álbum é o início de um status desse, sem exagero. Agora a cada vez que ele anunciar seu próximo trabalho, ficarei babando durante a espera e sugiro que você leitor, fique igualmente atento. Estamos diante de um talento singular nas HQs nacionais. Em meio a isso tudo, Bando de Dois tem defeitos? Tem. Acabei muito rápido e senti falta de um desenvolvimento maior durante a busca dos protagonistas, podendo estender ainda mais os perigos, mas ainda assim não deixa de ser sensacional. O fato é que esse faroeste no Brasil prova que só temos que ter olhares precisos e coerentes para as características passadas e presente - e por que não, brincar com prováveis futuros? - de nosso país ao tentar criar algo que se passa aqui. Clássico absoluto e imortal. Parabéns, Danilo!

Roteiro: Danilo Beyruth
Arte: Danilo Beyruth
96 páginas
R$ 36,00
http://www.zarabatana.com.br/p12.htm

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

SUPERMAN RETURNS: PORQUE EU GOSTO DO SUPERMAN

Publicado originalmente no site A ARCA no dia 30/06/2006

E abaixo aos personagens babacas.

Por Emílio "Elfo" Baraçal

Sim, estou aqui para contar o porque eu gosto tanto do Superman. Sei que tem muita gente por aí que detesta o azulão (e na maioria, por razões bizarras). Sei que serei apedrejado, mas sabe como é, não dá pra agradar gregos e troianos e além do mais... não estou nem aí para os argumentos contra o personagem. Muita coisa boa se fez com ele, assim como muita coisa ruim também, concordo. Só que vou analisar o personagem ali, no âmago, na essência.

Dentes cirrados, sangue, testosterona e porrada.
Tem muita gente por aí que gosta de personagens violentos, tipo Wolverine, Venom e mais meia-dúzia de caras sem cérebro. E se você leu o texto do El Cid sobre o Ciclope contra Wolverine, sabe do que estou falando. E concordo em gênero, número e grau com ele. Personagens tridimensionais são muito mais legais do que um anabolizado com músculo até na orelha e com a profundidade de um pires. É o caso do Superman, um personagem muito humano. Ah, e antes que eu me esqueça, eu gosto do Wolverine. Mas só quando ele é bem escrito. Mas ainda assim eu prefiro o Ciclope. E odeio o Venom. :P

O Superman é diferente. E o fato de ele ser tão legal já começa por aí.
Bom, em primeiro lugar, o Super é um alienígena. Só que ele foi criado na Terra. Basicamente, segundo a origem de John Byrne , ele nasceu no nosso planetinha, pois a câmara da nave que o trouxe de Krypton era uma espécie de bolsa d'água artificial. E todos sabem que alguém só nasce quando a bolsa d'água de uma mulher rompe e o bebê, em seguida, sai do ventre da mãe imediatamente (com uma ajudinha de um médico e meia-dúzia de enfermeiras). Mas ainda assim, não muda o fato de que ele é diferente e ponto. Só pra se ter uma idéia de como isso pode ser aterrador ou estranho, pense da seguinte forma: você vai morar em outro país, sei lá... tipo o Uzbequistão ou Romênia. Ou até mesmo Sri Lanka. Você vai trabalhar e estudar em um lugar completamente desconhecido e com uma cultura completamente diferentes para você. Você é um estranho no ninho. Não tem amigos, não tem parentes, não tem ninguém que possa te ajudar se der algum pepino. E mesmo assim, um exemplo como esse não reflete em igual proporção o problema do Super, pois por mais bizarro e longe que seja o país para o qual você vai, você ainda está lidando com seres humanos. Pessoas intrinsecamente iguais a você. E o Super está sozinho num mundo que não é o dele. E ponto. E isso pode ser assustador.

Porém, ele teve a sorte de vir ainda na condição de "feto" para a Terra. Ele foi criado e cresceu aqui. Dessa forma, sempre surgiu um paradoxo extremo na cabeça de escritores e fãs sobre o que o Super é realmente. Ele é humano? É alienígena? O que ele realmente é? O personagem possui valores terrestres, criação terrestre, experiência de vida terrestre. E tem uma "armadura", uma "casca" alienígena. Muitos roteiristas e fãs acham que o "verdadeiro eu" do Super é o Kal-El, ou seja ele é um alienígena vivendo no meio de nós, pobres mortais, sempre sozinho por ser diferente. E não está errado. Porém, a visão paradoxalmente inversa é também válida. Ok, ele pode ser um alienígena, mas o coração e a alma dele são humanos. Sendo assim, para outros, Clark Kent é na verdade o "verdadeiro eu" do Super.

E o mais interessante é que o personagem pode ser trabalhado das duas formas. Porém, isso pode criar uma confusão enorme, uma crise de identidade não só para o personagem, mas para quem escreve. Um roteirista pode gostar mais de uma determinada visão. Aí, o cara sai do título e entra outro roteirista em seu lugar com a visão completamente invertida. Com outra idéia. Aí, danou-se. O que é o personagem então? Uma incógnita. Se trabalhado da forma correta, pode gerar histórias muuuuuito interessantes em sua busca por uma identidade. Eu prefiro pensar que o "verdadeiro eu" do Super é o Clark Kent. Lembrem-se: por mais diferente que ele seja, ele cresceu e foi criado como Clark, mesmo com todas as neuras que ele tinha sobre suas capacidades especiais. Ele mesmo só foi descobrir que era alienígena aos 18 anos de idade. Ele só abraçou a idéia de ser um super-herói quando teve que proteger seu "eu verdadeiro" (tá vendo?), pois já tinha revelado sua existência ao mundo. A identidade é o sossego do personagem. Ele quer privacidade? Veste-se como Clark, que é o que ele é. Quer isolamento total? Ora, bolas, ele pode voar para as montanhas do Himalaia a hora que quiser.

Acrescentando, a maioria dos nerds, na época do colégio, sofreu ao menos um pouco por ser diferente, por ser o esquisito. Por ser aquele cara que ninguém entende. Não tem como não se conectar a essa característica do azulão. Lembrem-se: ele é diferente porque é "o último filho de Krypton". Nós, nerds, ainda temos outros nerds por aí. Além do mais, o fato de ele ser o único de sua raça é a razão de me fazer detestar a Supermoça, o Superboy, o Supercão, o Supercavalo, o Superpikachu e por aí vai...

Venom: exemplo de personagem unidimensional.
O caráter é tudo.
Ok, agora, explicando melhor o esquema de personagens babões e violentos contra personagens carismáticos e tridimensionais, vamos à personalidade do Super. Geralmente escuto coisas como: "Uau! o Wolverine é mau! Olha só como ele estraçalhou com fulano de tal..." ou "Venom pega um, pega geral! Ele atropela qualquer um em dois tempos!" - oh yeah, com certeza... será? Vejo por aí um sem número de fãs de personagens violentos, com suas armas exóticas, suas metrancas cuspidoras de chumbo, seus poderes direcionados para a carnificina e como eles fariam o personagem preferido de qualquer um comer grama. Violência é o que pega, não? Errado... ao menos, pra mim. Algumas bocas dizem: "Ah, o Super é babaca! Ele é bonzinho demais!" ou "Não existe alguém tão certinho!". Ok, pode parar. Então ser violento, ofender os outros, pagar uma de malandro e coisas do gênero é o mais legal então? Eu não acho. Pois vou dizer uma coisa: se todos fossem como o Super em seu caráter, o mundo seria muito melhor. E não, não é babaquice isso que eu acabei de escrever. O aclamado e reconhecido pintor Alex Ross (sim, o mesmo de O Reino do Amanhã e Marvels) já confessou que usa o modelo de moral e bom senso do Super e que isso fez da vida dele muito melhor. E que ainda por cima ele reconhece isso. Quando li isso numa entrevista dele, pensei: "Uau, não sou o único!".

O Super prefere conversar primeiro e depois, em último caso, partir para a briga. Pensando realisticamente, se você é uma pessoa que gosta de bater primeiro e perguntar depois (e logo em seguida, continuar batendo), vai arranjar muita confusão na sua vida. Se eu tenho um problema com alguém, prefiro esgotar todas as possibilidades de conversa. Todas mesmo. E sempre pensando também em me colocar no lugar da pessoa com a qual estou conversando. Aí você me pergunta: "Ah, então caso todas as possibilidades pacíficas se esgotem, você parte pra porrada?" - olha, depende da situação, depende da pessoa, depende muito de váááários fatores.

Partindo para outra vertente, o Super é gentil e educado. E sem ser baitola. Não é uma coisa maravilhosa quando você, independente de quem seja, encontra com alguém que é gentil, atencioso e bem-educado, sendo homem ou mulher? Ou você prefere pessoas mal-humoradas, que furam fila do banco sem mais nem menos, te empurram pra abrir passagem para algum lugar sem ao menos pedir desculpas (e às vezes, de propósito)? Desculpe, mas eu prefiro alguém que me dê um sorriso altamente bonito e confiável no dia-a-dia. É muito mais humano. Além do mais, o aspecto bondoso do Super pode gerar histórias altamente emocionantes, de tocar o coração do mais pedregoso dos sujeitos. É só saber como fazer.

Você prefere confiar em alguém assim...
E pra quem acha que "Ah, isso tudo é babaquice", aqui vai mais uma: o caráter bondoso e o comportamente gentil do Super é o maior exemplo da melhor pessoa que podemos tentar ser a cada dia que passa. E não me venha com a já citada frase "Ah, não existe alguém tão certinho, tão bonzinho!", porque só não existe porque você não quer e porque não consegue enxergar isso nos outros. Por que... você não tenta ser alguém assim? Garanto que as pessoas irão te tratar com outros olhos, as pessoas vão querer sua companhia sempre, pois será agradável ter você ao lado delas. O Super é por dentro tudo o que a maioria das pessoas têm medo de ser ou não querem tentar ser. Se acha que isso não funciona, tente fazer as clássicas ações de levantar para os mais velhos sentarem dentro do ônibus, pegar o dinheiro que caiu do bolso de alguém e devolver ou parar de dormir até tarde e lavar o quintal da sua casa que tá cheio de cocô de cachorro pra que sua mãe não tenha tanto trabalho em casa. Apenas experimente fazer isso. Tudo isso tem nome: respeito. E todos gostam de ser respeitados, certo? É apenas o que o Super faz. Ele respeita os outros. Ele tem consideração pelos outros.

... ou alguém assim?
Agora, se ele é tão bonzinho, roteiristicamente falando, o fato de ele ser tão bonzinho torna-o perfeito para criar armadilhas e dilemas morais, tornando-se, olha só, quem diria, um... defeito? Quem costuma jogar de paladino em D&D sabe do que estou falando...

Os poderes. Ah, os poderes...
Alguns dizem que personagens superpoderosos não tem graça. São poderosos demais e tornam as histórias chatas. Concordo e discordo ao mesmo tempo. Ele é tão poderoso, mas tão poderoso que torna-se um verdadeiro desafio para qualquer roteirista escrever boas histórias com ele. E aí é que tá a graça. Se você é bom contando história, vai conseguir criar grandes desafios pra ele sem ser exagerado. O maior exemplo disso são as histórias no estilo "todos-esses-poderes-e-não-pude-fazer-nada-por-tal-pessoa-ou-com-tal-problema". O maior problema do azulão com seus poderes não reside exatamente em seus poderes e sim em seus vilões. Olha a galeria de vilões do Batman... ou a do Homem-Aranha. É muito mais legal do que os vilões mequetrefes que o kryptoniano costuma enfrentar.

Pensando assim, sou a favor de uma renovação da galeria de vilões do personagem. Manter só os legais, os que prestam mesmo: Lex Luthor, Darkside, Mongul, Brainiac, Metallo e Parasita . Reformula o Apocalypse (ainda tem salvação). Acaba de vez com o Bizarro, a Encantadora, o Dominus, Superciborgue, o Mxyzptlk e o Imperiex. E crie vilões que sejam diametralmente opostos às maiores características do Super. E que tenham contexto e façam sentido, por favor. Se eu tivesse a oportunidade de ser roteirista do personagem, iria alternar os vilões. Em um arco de histórias, seria um vilão clássico. E no arco de histórias seguinte, um vilão novo. E depois, no próximo, um outro vilão clássico. E seguindo a ordem, um outro vilão novo. E por aí vai. Eu iria reconstruir a galeria de vilões do cara. Mesmo. Se não tem ameaça, que graça tem o personagem? Os vilões, às vezes, são mais legais que os heróis e são eles que definem o herói.

E sim, gosto também de heróis sem poderes. Do mesmo jeito. Nada contra o Batman e outros do gênero, muito pelo contrário, adoro o personagem, ainda mais sendo "dcnauta de carteirinha".

Resumindo, o Super tem uma personalidade e caráter bem construídos, que funcionam também como defeitos, se bem explorado. E ele é diferente e ao mesmo tempo, iguais a nós. E ele é o cara que você pode nunca tê-lo visto na vida, mas a partir do momento que você olha nos olhos dele e ele diz um "Tudo bem, você está a salvo!" com um sorriso seguro, não tem como não confiar nele. Se duvida, é só ver os filmes dele. O Christopher Reeve captou essa característica de forma perfeita. O Homem-Aranha é humano, mas o Super não fica atrás, mesmo sendo praticamente um deus porque é algo que está dentro dele, vem de seu berço, da criação que teve com o Kents. E não, não coloquei essa última frase pra provocar o seu El Cid. Eu adoro o Aranha também.

E se depois de tudo isso, você achar que estou viajando veja esse post de uma comunidade do personagem no Orkut. Mais claro, impossível. Para o alto e avante.

http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=56217&tid=11349613


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Comentários Atuais:
Pra começar, o título entrega que fez parte do especial do Superman - o Retorno na época da estréia do filme.

O que eu mudaria? Provavelmente hoje eu faria um texto mais humanitário, menos revoltado, digamos. 

Os pontos principais continuam válidos e acho até que, passado todo esse tempo, a questão é ainda mais pertinente. Sinto que o mundo caminha para um estado cada vez mais individualista das coisas e isso é triste.

Procurar não ser a pessoa mais honesta, correta e íntegra possível porque "não existe ninguém assim" ou "os outros não são assim comigo" é se eximir da responsabilidade da busca de tornar-se um ser humano cada vez melhor. É uma muleta para o conformismo e desculpa esfarrapada na tentativa de não admitir os próprios defeitos de caráter. É difícil admitirmos nossos próprios defeitos? Sim, é. Porém, você pode enganar a todos, menos a si mesmo.

Quanto à parte criativa, eu calquei o texto na origem criada por John Byrne. Porém, da data de publicação original pra cá, a DC fez várias reinterpretações da origem do personagem, causando mais confusão ainda. Entretanto, é capaz que eu continuasse com a ideia da origem do Byrne devido a ela ser a mais impactante e coerente pra mim.

Sobre o link do Orkut, fiquei surpreso por ele ainda existir. Que bom.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Crítica: ZATOICHI

Publicado originalmente no site A ARCA no dia 09/12/2004

Eu sempre tive queda por personagens cegos, então...

Por Emílio "Elfo" Baraçal

Confesso que eu nem sabia o que esperar deste filme, já que nunca assisti nada que seu diretor, Takeshi Kitano havia feito antes. Porém, procurei saber quem era Kitano, li uma entrevista e vi um ou outro artigo. Tratado como como a "ovelha negra" do cinema japonês, talvez ele acabe merecendo ainda mais esse título depois deste filme. O tema Japão feudal sempre me interessou e fui com uma dose de curiosidade. No começo, o filme já me deixou com a pulga atrás da orelha: a cópia estava legendada em inglês.

Zatoichi conta a história do personagem do mesmo nome, interpretado também por Kitano (que, ainda por cima, é responsável pelo roteiro), um nômade cego que vive como massagista. Entretanto, Zatoichi esconde, debaixo de sua cegueira, uma habilidade sobrehumana com a espada (que usa disfarçada de bengala). Em suas andanças, acaba indo parar numa vila dominada por gangues, onde o líder Ginzo (Ittoku Kishibe), passa por cima de qualquer um que pense em se rebelar. A situação se torna ainda mais crítica depois que ele consegue contratar o hábil e mortal ronin (samurai sem mestre) chamado Hattori Genosuke (Tadanobu Asano, ótimo no papel). Em uma noite de jogatina, Zatoichi acaba cruzando seu caminho com duas gueixas que buscam vingança pelo assassinato de sua família e acaba também interferindo nos negócios da gangue. A partir daí, as coisas vão se complicando cada vez mais e sangue espirra para todos os lados.

Por falar em sangue, quando eu escrevi acima que talvez Kitano seja tachado ainda mais de ovelha negra do cinema japonês, não seria pelos mesmos motivos que antes (valorização de outros costumes, crítica à ocidentalização total do Japão e outras coisas), mas pelo fato de um cineasta renomado como ele, influenciado pelas "escolas antigas" (como Akira Kurosawa, por exemplo), que usam técnicas mais tradicionais de filmagem, usar CG nas cenas de luta. Não, você não verá lutas ao estilo Matrix, Homem-Aranha e outros blockbusters americanos. O CG é usado apenas como auxílio das cenas, para causar um ou outro impacto desejado e não sobre a cena inteira. Aliás, as lutas são feitas à moda antiga, com fios, coreografia e tudo mais; sendo o CG um simples temperinho. Porém, ás vezes se torna perceptível demais, mas não a ponto de comprometer uma cena ou mesmo o filme inteiro.

Já sobre o clima do filme, eu penso nele como duas metades. Na primeira metade, você vai sendo apresentado aos personagens aos poucos, tentando imaginar como seus caminhos se cruzariam, o que um significaria para o outro e isso demora a acontecer de modo que você chega a pensar que pode não estar entendendo muita coisa ou que o filme não faça muito sentido. Porém, a partir da metade final, a coisa toda muda de figura. As coisas vão se encaixando com uma precisão incrível e o filme vai ficando cada vez mais delicioso de assistir. Além disso, os personagens do filme são extremamente simpáticos, principalmente Shinkichi (Gadarukanaru Taka, outro que dá um show de interpretação), um vagabundo viciado em jogo que acaba ajudando Zatoichi. É ele que protagoniza as cenas cômicas do filme, que são bem dosadas e muito engraçadas (principalmente a cena do "treino" de kenjutsu, muito hilária!). E cenas engraçadas não são nenhuma surpresa, já que Kitano começou sua carreira cênica como humorista. Ah, além disso, a cena de dança no final é simplesmente de cair o queixo, muito bem coreografada e belíssima de assistir.

Só um detalhe da história que eu me senti meio incomodado, talvez pelo fato de eu achar que, se fosse melhor desenvolvido, poderia resultar numa história ainda mais dramática: o tal ronin Hatttori é casado e não está conseguindo sustentar sua esposa, estando ambos à beira da falência total. Você até sente o desespero e o sofrimento dela, mas não o suficiente para se importar como deveria, pois as cenas com ela são muito poucas. Quando Hattori consegue o "emprego" na gangue de Ginzo, dá a impressão que as coisas podem melhorar quando na verdade só estão piorando, pois ela não quer ver o marido envolvido com a lei ou pior, morto. Porém, como eu citei, poderia ser melhor desenvolvido.

No final das contas, Zatoichi possui duas facetas. A primeira, que é apenas diversão pura e simples (as coreografias de luta são geniais e muito realistas, apesar do CG e; os personagens simpáticos e envolventes) e a outra é até uma leve (na verdade, quase imperceptível) crítica aos costumes ocidentalizados no Japão. O povo da vila seria o povo japonês e a gangue, os costumes ocidentais impondo sua força, sua vontade, coisa que Kitano até é favorável, mas só até certo ponto como já declarou antes pois, para ele, se algo é ruim, tem que ser mudado mesmo, mas se há coisas boas, para quê mudá-las? Desse modo, Kitano acha que o Japão acaba mesmo perdendo sua identidade cada vez mais. Se você gosta desta polêmica, há filmes que tratam isso melhor, agora se você gosta de puro entretenimento, apenas assista e se divirta.

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Comentários Atuais:
Minha opinião sobre o filme continua a mesma. Assisti a ele novamente umas semanas atrás e o resultado final me pareceu ainda mais atraente e simpático.

Depois de Zatoichi, procurei assistir a outras obras de Kitano e ele se tornou um dos meus cineastas orientais preferidos. Ainda assim, eu o vejo como alguém cujos trabalhos variam muito em desenvolvimento, de maneira que alguns deles realmente não são para o grande público por ter características que falem mais ao povo oriental ou para quem manja de cultura oriental, que absorverá melhor os detalhes, sutilezas e nuances.

Então, o que provavelmente eu mudaria nesse texto, depois de quase seis anos de sua publicação original é alguma coisa na sintaxe de uma ou outra frase e também usaria menos parêntesis.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Meu Filme É... O ÚLTIMO SAMURAI

Nathan Algren tentando achar seu caminho.

Publicado originalmente no site A ARCA no dia 24/08/2005

Redenção. Simplesmente isso.

Por Emílio "Elfo" Baraçal

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Meu, a tarefa de falar de um filme que tenha me emocionado bastante é difícil. Na lista de filmes-que-me-fizeram-chorar, pode colocar aí Patch Adams - O Amor é Contagioso, Tarzan (sim, o da Disney), Alta Frequência (por incrível que pareça, sim, afinal, é um ótimo filme para homens, ainda mais se você tem problemas graves de relacionamento com seu pai), Homem-Aranha (mas até aí, pelo coração nerd, então conta?), O Clube dos Cinco, entre outros. Mas lembrei de um filme que não chegou a me fazer chorar, mas me fez entender muita coisa que talvez (ou não) eu já soubesse, mas minha cabeça e meu coração não sabiam como colocar em ordem. Eu falo de O Último Samurai. Resolvi então escrever sobre este longa de Tom Cruise, que me marcou bastante.

Nathan Algren (Cruise) é um soldado veterano de guerra americano que combatia os apaches. Porém, devido a essa guerra, ele acabou perdendo o rumo de sua vida, passando a levar cada dia quase que totalmente alcoolizado. Porém, por sua experiência, é contratado por americanos que estão reunindo mercenários que vão treinar o exército imperial japonês. O Imperador Meiji é um homem que tem a idéia fixa de colocar seu país no mundo moderno, e que enfrenta uma rebelião de samurais.

Algren entra na história com uma dose de cinismo absurda. Os samurais lhe são descritos como selvagens e abomináveis, e ele logo percebe que os conselheiros americanos do imperador fizeram um péssimo serviço no trabalho de treinamento de tropas. Com um exército em más condições, ele parte para enfrentar os samurais, liderados por Katsumoto (Ken Watanabe, que concorreu ao Oscar de Ator Coadjuvante por este papel).

Durante o combate, Algren é feito prisioneiro. Katsumoto o quer vivo para poder conhecer o inimigo. Isola-o em uma pequena vila rural e tenta extrair dele seus conhecimentos. O soldado, a princípio, se mostra esquivo e relutante, mas depois de um chuvoso inverno, ele e o líder samurai começam a ter diálogos filosóficos sobre a ética da guerra e dos guerreiros. E é a partir daí que Algren tentará, a todo custo, arranjar novos valores, ética e moral para sua vida, melhorando como ser humano.

Sim, "O Último Samurai" me marcou muito. Em primeiro lugar, por causa do personagem de Cruise. Nathan Algren é um homem amargurado devido aos erros de seu passado, que não vê esperanças de que a coisa toda mude, indo cada vez mais para o fundo do poço. Eu cometi, como qualquer pessoa, vários erros durante a minha vida. E ainda hoje, apesar dos anos, eles ainda estão aí para me lembrar de que tenho que a cada dia ser uma pessoa melhor. Os meus maiores erros ainda ecoam na minha vida e tenho batalhado de forma incansável para não só extirpá-los, mas para também não os cometê-los de novo, assim como para não cometer erros novos de igual magnitude. Eu machuquei pessoas fisica e emocionalmente. Fiz coisas que atrapalharam a vida de outras e errei feio com as pessoas que mais amo. Dessa forma, me identifiquei muito com Algren.

Em segundo lugar, a maioria dos blockbusters faz apologia ao "the american way of life" - ou seja, "o estilo de vida americano" - sendo carregados de patriotismo e mensagens subliminares, além de terem a mania de fazer outros povos e culturas se sentirem inferiorizados. Apesar do herói principal ser americano, não é o que acontece em "O Último Samurai". O grande vilão é o governo americano, que tenta cada vez mais firmar acordos e mais acordos com o governo japonês, com um só objetivo: o lucro. A convenção de que a cultura americana é sempre superior à cultura com a qual se mistura é inteiramente quebrada no filme. O último samurai não é Algren, que acaba adotando o estilo de vida japonês e sim Katsumoto, em que sua última ação no filme vai servir de exemplo para o imperador fazer aquilo que é certo. Os americanos se ferram no final e ponto. Por fora, Algren é americano, mas por dentro ele não só é japonês, como também se tornou um samurai. E a maior prova disso acontece em uma determinada sequência. Logo que Algren é capturado, Katsumoto recolhe suas coisas, entre livros, anotações, e outras traquitanas. Porém, em determinado momento, Katsumoto devolve os pertences a Algren e diz: "Quando peguei isto, você era meu inimigo". E sai andando. Resumindo, os dois se tornaram amigos e irmãos. E levando em consideração que é um samurai e ainda por cima, naquela época, Algren tinha conseguido um feito que apenas poucos conseguem: um japonês confiar em um gaijin - a palavra japonesa para "estrangeiro".

Dessa forma, é mostrado como nunca podemos perder a esperança de conseguirmos aquilo que queremos, por mais que pareça impossível. E o filme mostrou isso sem ser piegas ou clichê demais. O filme mostra, como podemos mudar, nos tornando melhores pessoas a cada dia.

Além disso, a película mostra de forma bela e simples como uma outra cultura que, para nós, pode ser aparentemente estranha, pode ter significados verdadeiramente belos. Eu, pelo fato de ter praticado artes marciais durante anos, fiquei deliciosamente atraído por certos aspectos que provavelmente, nem todas as pessoas puderam enxergar. A princípio, os japoneses parecem frios e distantes mas por trás disso tudo, esconde-se um emaranhado de emoções, intenções e significados.

Vida e morte de Katsumoto dão novo significado de vida a Algren.
O japonês não costuma conversar muito, pois são um povo que é extremamente ligado ao significado dos atos e não as palavras. De que adianta alguém dizer uma coisa e fazer outra? Dessa forma, um simples gesto mostra toda a sua intenção perante outra pessoa. Um exemplo é quando um samurai vai se encontrar com um daimyo (senhor feudal japonês) em sua residência. O samurai demonstrará, sem dizer uma palavra, como enxerga aquele daimyo e apenas usando sua katana (espada japonesa). Se ele entra na casa, tira a espada de sua cintura e a deixa em um suporte na sala onde conversarão, isso demonstra que o samurai confia completamente no daimyo. E isso porque a espada era o objeto mais precioso do samurai. Era com a espada que ele ganhava a vida, sobrevivia, colocava ordem e justiça na sociedade. Agora, se ele entra na casa, tira a espada e a coloca no chão, no seu lado esquerdo (ou nem tira da cintura), mostra que o samurai não confia no daimyo, pois nessa posição, o saque da espada pode ser feito de forma extremamente rápida. Porém, se o samurai coloca a espada no chão do seu lado direito, mostra que o samurai confia no daimyo, porém estará preparado para qualquer coisa que ameace sua vida e a do daimyo, pois nessa posição a espada pode ser sacada, mas com mais lerdeza. São essas pequenas coisas, detalhezinhos da etiqueta japonesa que já demonstra tudo o que a outra pessoa precisa saber sobre você e vice-versa.

Outro exemplo é uma cena que meu pai não entendeu, na qual Katsumoto e Algren vão conversar pela primeira vez. Algren questiona a presença dele para conversar com seu inimigo. Katsumoto diz: "Quero conhecer meu inimigo". Algren não entende muito bem o modo de pensar de Katsumoto, que tenta através de um rápido diálogo, conhecer seu captor. Mas Katsumoto responde a parte de "conhecer o inimigo" assim: "Nossos costumes parecem estranhos para vocês, assim como os de vocês para nós. Por exemplo, não se apresentar é extremamente rude, mesmo entre inimigos". Para o meu pai, como um bom ocidental, se é inimigo, não tem conversa, desce a porrada. O cara tá te prendendo? Mata ele e foge. Simples. Porém, como um samurai não deve temer nada (e como já expliquei, nem a morte), não há porque se esconder de seus inimigos. Inicialmente, meu pai achou aquilo muito estranho e custava entrar na cabeça dele o significado daquilo. Eu só disse uma palavra a ele: "pense". Depois de um tempo, ele entendeu.

Somos inimigos? Por quê? Por que seus objetivos vão contra os meus? Há um meio de contornar isso? Será que se um se colocar no lugar do outro, há como chegar a um entendimento? Se não houver, tudo será resolvido em combate. Se é pra ser resolvido dessa forma, por que não simplesmente matá-lo aqui e agora para me poupar de problemas? Fica tudo mais fácil pra mim. Dane-se você. Errado. Todos têm o direito de defesa e de perseguir seus sonhos e objetivos. É covarde e injusto pegar uma espada e decapitar um homem desarmado. É uma pessoa destruindo não só a vida de alguém, mas tudo aquilo que ele poderá fazer de bom até o fim de sua vida. Além do mais, se é homem de família, há inocentes que dependem de seu inimigo. A única forma de resolverem isto é no combate justo. Condições iguais nas quais você poderá defender seu ponto de vista e seu inimigo, o dele. Aí está um exemplo de compaixão japonesa. Um samurai nunca vai lidar com alguém com ideias traidoras ou vai fingir ser seu amigo a vida inteira, pra quando chegar um certo momento, mostrar quem ele realmente é. Um samurai é o que ele mostra e ponto. A cena do "Quero conhecer meu inimigo" é uma dentre muitas que estão lá para serem refletidas, pensadas, interpretadas. E no filme, pra quem conhece cultura japonesa, dá pra notar isso aos montes. Mesmo assim, o modo de vida, a filosofia e os costumes japoneses são explicados de forma sutil, sem precisar cair no óbvio. E claro, graças a Deus, meu pai entendeu. :P

Devido ao amor pela cultura japonesa, ao carinho pelas artes marciais, ao apreço pela filosofia oriental e, principalmente, pelo personagem em busca de redenção é que esse filme me faz ter uma estima enorme por ele e reforça minha persistência em me tornar a cada dia alguém mais digno, honesto, simples, sincero e determinado, onde luto pelo que tenho direito, faço aquilo que tenho por dever e ajudo aqueles que são mais necessitados. Resumindo, o longa é uma aula de humanidade.

Já se formos falar da parte técnica, até nisso o filme é quase impecável.

A música é soberbamente orquestrada e composta por Hans Zimmer, que consegue captar de forma sutil e competente toda a atmosfera da época. E olha que, pra mim, a trilha sonora é um aspecto importantíssimo de um filme, praticamente sendo essencial para criar o clima de uma produção. A direção de Edward Zwick é segura, conseguindo extrair de cada cena e de cada um no elenco, o espírito certo para esse tipo de filme. O figurino é perfeito, não há o que reclamar. E o legal é que apesar de ser um filme blockbuster, "O Último Samurai" não cai no erro de ser uma produção que tem apenas cenas de ação ou algo do gênero para entreter o público. Os personagens são tridimensionais, você cria carinho por eles. O aspecto psicológico de cada um é muito bem trabalhado, além de conseguir retratar uma difícil época de mudanças na sociedade e costumes japoneses. Dessa forma, o drama, o romance e as complicações são o foco principal, onde a ação é só mais uma ferramenta para que o longa seja apresentado de forma soberba.

"O Último Samurai", um filme belíssimo que me pegou lá no fundo do meu coração por tudo isso e mais um pouco. E esse mais um pouco é sempre difícil de explicar quando algo do gênero acerta em cheio seus sentimentos. Meu pecados e demônios interiores ainda estão vivos dentro de mim. Mas não vou cansar enquanto não derrotá-los e enquanto não encontrar um meio de lidar com o perdão de meus erros e finalmente conseguir minha redenção. É isso que tenho feito da minha vida em grande parte do tempo. E você? O que tem feito da sua?

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Comentários Atuais:
"Meu filme é..." foi uma proposta bem bacana d´A ARCA em reunir o hobby com o pessoal. Na época, eu queria falar de O Clube dos Cinco ou Um Sonho de Liberdade. Lá em cima, tem a lista dos filmes de cada um que já havia sido publicados no site, cada um entrando em uma semana. O do Thiago "El Cid" Cardim já era Um Sonho de Liberdade. Então o natural seria fazer sobre o O Clube dos Cinco. Porém, o Bruno "Benício" Fernandes havia dito que faria sobre esse filme - que não está na lista porque entraria na semana seguinte, depois desse meu artigo. Então, sobre o que escreveria agora?

Se pegar a minha lista de 10 filmes preferidos aí na barra da esquerda do blog, a lógica seria falar sobre um deles. Mas naquele momento, para o feeling que a ideia pedia, eu não me sentia necessariamente conectado a nenhum deles e eu vivia um momento conturbado devido a algumas coisas que aconteciam comigo. Resolvi então que usaria um filme mais recente para falar sobre como havia me atingido. E seria legal porque como filme recente, com certeza ainda estaria na memória das pessoas, facilitando a ligação entre redator e leitor.

Agora, se eu mudaria algo no texto? Passados esses anos, tenho orgulho de dizer que não. Relendo-o, ainda o vejo redondinho, perfeito. Além da conotação mais pessoal, esse é mais um dos motivos por escolhido essa matéria para a inauguração do portfólio.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

INAUGURAÇÃO DO PORTFÓLIO DE REDAÇÃO WEB

Ok, o título entrega o motivo de eu ter criado este blog.

Mas há algumas razões pessoais também. Recentemente consegui recuperar uma significativa parte de meus textos publicados na saudosa A ARCA. E os postarei aqui, para apreciação de todos, seja você um antigo fã do site ou alguém que nunca ouviu falar nele.

Relendo uns dois ou três, vejo como anos atrás eu escrevia de forma bem diferente. Boa parte das opiniões continuam as mesmas, mas em comparação a essas "pérolas", hoje me sinto mais comedido, mais experiente e sucinto.

O conteúdo dos textos d´A ARCA ficará quase intacto. Quase, porque alterarei para as novas regras ortográficas do português. Mas não quero colocar o texto cru, do jeito que era. Após o término do texto, postarei opiniões, falando do que eu mudaria, como era minha cabeça na época e como é hoje. Brincarei um pouco sobre o texto numa espécie de making off. É minha maneira de postar algo saudosista aqui, ter um portfólio digital e ainda ter um frescor, o sabor de algo novo.

E quando os textos d´A ARCA acabarem? Bom, estou disposto a criar textos novos sobre entretenimento.

Espero que goste de ler tanto quanto amo escrevê-los. Seja bem-vindo.