quarta-feira, 23 de novembro de 2011

FIQ 2011 - O MAIOR EVENTO DE HQS DO BRASIL


A Serraria Souza Pinto

No último dia 13 terminou a edição 2011 do FIQ - Festival Internacional de Quadrinhos, durando cinco dias. Devido ao que testemunhei, devo dizer que, sem sombra de dúvida, é o maior evento de quadrinhos que já fui e não duvido que seja o maior do Brasil e talvez, da América Latina.

Ao chegar no local, a Serraria Souza Pinto em Belo Horizonte, tudo parecia bem calmo, quase como se não acontecesse nada ali. Cheguei de manhã no primeiro dia a fim de pegar tudo do começo. E a calmaria foi justificada, pois havia poucas pessoas. Isso até foi bom, porque imaginando que o público aumentaria a cada dia, ficou mais calmo tirar fotos, então aproveitei. 

:: A SERRARIA
O lugar é bem amplo, muito bem indicado mesmo para um evento desse porte, tendo um único problema: apesar de arejado, o teto de amianto ajudava a tornar os calorentos dias mineiros em algo ainda mais abafado. 

Só que depois do fim, os organizadores terão um problemão nas mãos para a edição 2013. Ivan Costa, um dos responsáveis, postou no Twitter que juntando todos os dias, o FIQ teve um público de 148 mil pessoas. Isso é mais do que o dobro da última edição em 2009. Se a tendência continuar, a Serraria Souza Pinto não dará conta daqui a dois anos. 

Espaço dedicado a Maurício de Sousa
Ao entrar, me deparei com um painel enorme sobre a carreira de Maurício de Sousa, homenageado desta edição. Ano a ano desde que o quadrinhista começou sua carreira, a mostra chamou a atenção de todos durante os cinco dias, sempre cheio de pessoas lendo e tirando fotos. 

Os estandes ficaram do lado esquerdo e ao fundo, fazendo um "L" no espaço retangular do local. Gostaria que houvesse mais estandes. Lojas grandes, por exemplo, apenas duas: a tradicional Comix Book Shop e a livraria Leitura, local. De resto, estandes para as HQs independentes e editoras menores - como a Balão Editorial - já que as grandes como Panini e Abril, entre outras, não deram as caras.

Aliás, esse FIQ foi bem generoso com as HQs independentes, porque ao conversar com os criadores, havia gente que trouxe 500 cópias de uma HQ e vendeu todas, por exemplo. A variedade das HQs e o grande público contribuiram para as vendas. Ainda assim, acredito que as grandes editoras poderiam estar lá que não prejudicariam as vendas. As grandes editoras poderiam dizer "Com a Comix lá, não tem necessidade de espaço para as grandes editoras". Ok, muito válido. Só que poderia haver algum espaço em que os fãs soubessem das novidades, pudessem assinar revistas, conversar com os editores, entre outras coisas que, com um pouquinho de criatividade - alô departamento de marketing! - com certeza chamaria a atenção.

A entrada da exposição dos originais do mercado americano.
Andando um pouco mais, me deparei com um espaço de exposição. Havia páginas e esboços conceituais de conhecidas séries ali. Olhando mais atentamente, senti um arrepio. Essas artes eram ORIGINAIS de diversos artistas estrangeiros: Howard ChaykinGeorge Perez, Andy Kubert, John Byrne, Chris Bachalo, Berni Wrightson, Cully Hammer, entre dezenas de outros do passado e do presente. Completando de forma muito bem sacada, textos informativos sobre cada etapa da criação de uma HQ estavam nos vidros de proteção da exposição, desde o roteiro e edição até balões e letras. 

Organizada por Ivan Costa, os pontos altos com certeza foram um original de página dupla de Alex Ross que faz parte do álbum Mulher-Maravilha - O Espírito da Verdade e uma cópia genuína de Seduction of the Innocent, o famigerado livro de Frederic Wertham. A capa me atraía, louco pra ver que tipo de blasfêmia Wertham escrevera, quase como uma Bíblia do Mal. 

Ao lado, outra exposição, dessa vez com originais de diversos dos artistas coreanos convidados, artes belíssimas e com uma identidade visual única, embora com clara influência do mangá.

Muitas crianças! A grande maioria do público.
Em volta dessas duas exposições, painéis com os mais diversos propósitos - gibiteca, oficinas permanentes - faziam a alegria das crianças. Sou obrigado a dizer que nunca vi tanta criança em um mesmo lugar. E isso ocorreu não por apenas um motivo, mas vários. Havia, lógico, crianças acompanhadas de suas respectivas famílias, mas dezenas de escolas também levaram seus alunos ao evento. Foi muito legal ver as crianças nos estandes, na gibiteca, vendo as exposições... enfim, interagindo com todas as atrações. Com certeza uma grande porcentagem ali conheceu mais de perto o mundo mágico dos quadrinhos e será mais um leitor habitual. 

Atrás das exposições, um dos lugares que mais juntou os profissionais da área, o Estúdio Ao Vivo. Ali, gente como Paulo Siqueira, Geraldo Borges, Eddy Barrows, Jill Thompson e outros sentaram e desenhavam, arte-finalizavam e coloriam para o deleite do público, que via em primeira mão como uma HQ era criada.

Ao fundo, a lanchonete do local, com bastante variedade em seu cardápio e com preços acessíveis e outros nem tanto. Com várias mesas, o lugar era bastante arejado e iluminado. Perto da lanchonete, os banheiros, sendo limpos por funcionários o tempo inteiro, de modo que era um dos mais limpos que já vi em eventos, embora com um ou outro deslize. 

Bill Sienkiewicz autografando.
Havia também conexão wi-fi disponível, mas era necessário pegar login e senha na secretaria e a conexão durava duas horas. Isso é pouco para um evento desse porte. Em alguns momentos, as pessoas não conseguiam acessar a internet, mesmo com login e senha. Com certeza havia a necessidade de um patrocinador disponibilizar um wi-fi permanente e de grande potência. O local seria perfeito para fazer propaganda disso. Fora também que um desavisado que more em Marte poderia tomar conhecimento do evento ao ler o tuíte de um amigo ou atualização no Facebook; e também para a imprensa, que poderia fazer uma cobertura mais completa e ampla.

:: HI! DO YOU KNOW WHERE...? - PARTE 1
No primeiro dia, ainda pela manhã, um fato curioso ocorreu. Vendo as exposições, um gringo me aborda, pedindo informações. Gringo, em evento de HQs, só pode ser um convidado. Perguntei quem era. Bill Sienkiewicz. Me apresentei, informei-o que sou roteirista e comentei de trabalhos que faço atualmente. "Ah é? Vamos tomar um café?", me convidava o artista, apontando para a lanchonete. Eu mal podia acreditar.

Sentamos no espaço, ainda relativamente vazio e conversamos durante meia-hora. Ele ficou curioso em relação a meus trabalhos e depois de explanado o assunto, me perguntou sobre as qualidades e defeitos do mercado brasileiro, entre outros detalhes das tradições quadrinhísticas locais. Um dos momentos mais incríveis foi o fato de ele ter tomado a iniciativa de trocar contatos comigo, de modo que ele me passou seu e-mail e telefone. Simplesmente surreal. 

Claro que, tendo um sketchbook na mochila, pedi que ele fizesse qualquer coisa pra mim. Desejo atendido... e filmado. Se quer ver o grande Bill desenhando no meu sketchbook, clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=j8bcny5UJqk

Divulgação de Astronauta, por Danilo Beyruth.
:: PAINEÍS E OUTRAS ATRAÇÕES
Humanamente impossível participar de todas as atrações, como painéis, oficinas especiais, entre outros. A variedade era grande, mas devido ao público desta edição, muita gente ficou de fora, pois o espaço para cada uma delas era bem limitado. 

Para participar de algumas, houve uma seleção de participantes através do site do evento, enquanto que em outras era necessário tirar uma senha na secretaria. Dessa maneira, as atrações eram quase disputadas a sangue.

Se os espaços fossem maiores, como auditórios e afins, acomodasse um número maior de pessoas, mas o local não suportava tanto. Ainda no primeiro dia, Sidney Gusman e Maurício de Sousa apresentaram o próximo projeto da MSP, que nada mais é do que a Graphic MSP, onde artistas brasileiros farão álbuns completos com personagens da casa e a estréia ficará por conta de Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, Chico de Leite, e os irmãos Vitor e Lu Caffagi; fazendo álbuns de Astronauta, Chico Bento, Piteco e a turminha, respectivamente. A repercussão foi enorme não só no local, mas também na internet: "Apresentamos ontem e ainda está na capa do UOL. Impressionante!" disse Sidney Gusman no dia seguinte.

Consegui participar do painel da DC Comics, que contou com a presença do americano Larry Ganem, que veio no lugar de Eddie Berganza e também com Erico Assis traduzindo-o. Junto a eles, Ivan Reis, Joe Prado e Eddy Barrows no palco. Nas primeiras fileiras, mais artistas da casa, como o já citado Paulo Siqueira e os coloristas Rod Reis e Marcelo Maiolo

Larry no Painel DC.
Larry mostrou-se bem solto e bem-humorado, brincando com todos ali. Após uma apresentação parcial - onde o projetor deixou os convidados na mão em alguns momentos - dos títulos da iniciativa Novos 52, Larry abriu para as perguntas. Ouvia-se uma variedade muito grande de perguntas, mostrando um público formado desde os leigos até os mais bem informados da área. As melhores perguntas - de acordo com o julgamento do próprio Larry, embora ele tenha sido bem generoso - ganhavam encadernados estrangeiros da editora. 

A primeira pergunta - e uma das mais interessantes - foi logo a recepção por parte da DC de roteiristas brasileiros, já que os artistas hoje são as grandes estrelas da empresa. Larry foi bem enfático para todo mundo ouvir: a DC não tem nada contra roteiristas de qualquer nacionalidade. Mais tarde, encontrando com ele, conversei sobre o assunto e ele me confidencializou que tudo que é preciso para escrever para uma editora american - incluindo a DC - é que o roteirista domine o inglês a ponto de conhecer até os erros do idioma, conhecer a fundo a cultura americana - se fosse a via contrária, é como se um americano conhecesse e entendesse as piadinhas sobre gaúchos ou os estereótipos de paulistas, mineiros, baianos, cariocas, etc - e que apresente uma HQ de super-herói publicada - por editora ou independente - em inglês. Se os editores gostarem da sua HQ, entrarão em contato para conversar e é aí que você tem que mostrar que entende do idioma e da cultura deles. 

O colorista Marcelo Maiolo (de pé), sendo aplaudido
Não consegui pegar o painel da Marvel, de modo que cheguei no final, tendo que assistir do lado de fora, o que dificultava ouvir o que falavam lá. No painel, os roteiristas Matt Fraction e Kelly Sue e o caça-talentos C.B. Cebulski eram traduzidos mais uma vez por Erico Assis. Completando, ninguém menos do que Mike Deodato e Will Conrad

No final, Cebulski pediu aos presentes que gritassem "make mine Marvel", brado característico da editora e gravou, prometendo mostrar para seus companheiros nos EUA. Conversando também com Cebulski sobre roteiristas brasileiros, ele disse a mesma coisa que Larry, mas que no caso da Marvel há duas diferenças. A primeira é que você pode tanto apresentar uma HQ de super-heróis de sua autoria quanto um pitch - documento de apresentação de ideia - com algum personagem da Marvel. A segunda diferença é que você deve ir no site da Marvel e procurar pelo MISF - Marvel Idea Submission Form For Writers - que é um documento que deve ser enviado assinado junto com a HQ ou pitch que você está enviando. Proposta sem esse formulário não são lidas e sim, destruídas.

Improvisado, um "estande" foi criado inconscientemente pelos quadrinhistas como local escolhido para socializarem. Em uma brincadeira com Breno Tamura, o local foi carinhosamente batizado como "estando do Breno" e lá estavam gênios como Ivan Reis, Mike Deodato, Will Conrad, J.M. Trevisan, Leonel Caldela, Hector Lima, Eddy Barrows, Paulo Siqueira, Julia Bax, Marcelo Maiolo, Rod Reis, Danilo Beyruth, Fábio Moon, Gabriel Bá, Eduardo Medeiros, Marcelo Miller, Joe Prado, Geraldo Borges, Larry Ganem, C.B. Cebulski, Klebs Jr., Ig Guará, Rodney Buchemi, entre outros. 

Almoçando com Jill Thompson. Pena que o fotógrafo tremeu um pouco.
:: HI! DO YOU KNOW WHERE...? - PARTE 2
Em um dos dias, decidi ir ao FIQ só depois do almoço e pouco mais de 200 metros do local, uma figura inusitada pede informações. Era ninguém menos do que Jill Thompson. Ela queria almoçar e procurava um lugar chamado Cantina do Lucas, que havia sido indicado a ela via Twitter. Eu e uns companheiros passamos quase uma hora procurando o lugar com ela - mesmo porque, era minha primeira vez na capital mineira e não conhecida nada - até que achamos e veio um inusitado convite para almoçar com ela. 

Foi uma tarde bem bacana, onde a coisa tomou um rumo muito além do que apenas um almoço. Ela fez desenhos, recebeu desenhos, conversou bastante, sempre sendo bem simpática.

:: MUDANÇA DE PARADIGMA NO PÚBLICO
Outra coisa que chamou bastante a atenção foi a variedade de idade e gênero do público. 

Nunca vi tanta mulher - sozinhas ou acompanhadas de familiares - em um evento de quadrinhos; além das já citadas crianças. Foi algo bonito e único de se ver e não era difícil ouvir dos mais velhos que iam voltar a colecionar quadrinhos depois de ver tantas opções de revistas. 

Isso mostra que há espaço para todas as idades e que os quadrinhos não são mais um passatempo majoritariamente masculino. Foi-se essa época e o FIQ provou isso.

:: O MAIOR DE TODOS
Em suma, o FIQ 2011 consolidou-se como o maior evento de HQs que já aconteceu no Brasil, com um público recorde, atrações e convidados singulares - que como deve ter notado, você esbarrava com eles dentro e fora do evento - alto número de vendas de gibis, entre outros feitos.

Ivan Costa e o resto da equipe terão um trabalho titânico para superar esta edição daqui a dois anos. É o mais próximo que consigo imaginar de um eventos nos EUA e isso o FIQ conseguiu com louvor. 
Muitas escolas no evento.
Joe Prado autografando.
Exposições bem explicativas.
Trabalhos dos artistas coreanos.
Mais trabalhos dos coreanos.


Impressionante pintura dos coreanos.
Originais dos artistas americanos.
Os leigos não foram esquecidos.

A entrada.
Estátuas baseadas na arte de Adam Hughes.


Os os artistas brincavam.
Andy Kubert.

John Byrne.
Howard Chaykin.
Gene Ha.
 

George Perez
Alex Ross
Ivan Reis.


O livro maldito.
Proposta de Ross para Shazam.
Página da primeira versão
de Liga vs Vingadores.

Página de Sandman no roteiro
e na versão final.
Página de A Piada Mortal e sua
descrição no roteiro.
Esboço e ideias de Ross
para álbum do Superman.

Esboço de Alan Davis.

Livraria Leitura, ainda no
primeiro dia.
Sim, um Hugo Pratt!

Estudos de mão de
Simone Bianchi.
O original e a reprodução
na revista - tudo explicado.
Crise Final no traço
de Phil Jimenez.

Gosta de Frank Quitely?
Mural onde era só chegar
e desenhar.
E, claro, alguém que achou
um cantinho em branco.

Pandemônio, grande destaque
entre os independentes.
Mais arte coreana.

HQs tratadas como merecem.
Crianças!

Alguns dos stands.
Jill Thompson pintando.

Uma criança realizando um
sonho ao conhecer Maurício de Sousa.
Primeiro dia, ainda meio "vazio".
Do lado esquerdo, no alto, o
espaço das oficinas.
Parte do espaço Maurício de Sousa.

O caça-talentos da Marvel,
C.B.Cebulski após nossa conversa.
As estátuas de Hughes chamavam
muita atenção.

Difícil era conseguir um ângulo
bom, pois sempre tinha gente em volta.
Tive que pedir um momentinho, mas
mesmo assim...


Entrada da exposição
 dos originais do mercado americano.
Todo mundo parava
nessa estátua.


Por que tão sério?
A lanchonete, que era maior do
que mostra a foto.


Fórum de HQs do Ceará: gente de
todo canto do Brasil.
Criançada se divertindo. Estar no
FIQ sem desenhar não é estar
no FIQ!


E o evento ficava cada vez mais cheio.
Primeiras páginas de Seduction
of the Innocent.

Muitas representantes femininas!
Vê aqueles seres ao fundo?
São mulheres!


E de todas as idades! É o
público mudando!
O mestre dos pincéis
autografando.


Ivan Reis, sempre muito
requisitado.
Joe Prado, Ivan Reis e Rod Reis.


Bancada de mestres!
Pocket show. E o som era
bom, viu?