segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

SUPERMAN RETURNS: PORQUE EU GOSTO DO SUPERMAN

Publicado originalmente no site A ARCA no dia 30/06/2006

E abaixo aos personagens babacas.

Por Emílio "Elfo" Baraçal

Sim, estou aqui para contar o porque eu gosto tanto do Superman. Sei que tem muita gente por aí que detesta o azulão (e na maioria, por razões bizarras). Sei que serei apedrejado, mas sabe como é, não dá pra agradar gregos e troianos e além do mais... não estou nem aí para os argumentos contra o personagem. Muita coisa boa se fez com ele, assim como muita coisa ruim também, concordo. Só que vou analisar o personagem ali, no âmago, na essência.

Dentes cirrados, sangue, testosterona e porrada.
Tem muita gente por aí que gosta de personagens violentos, tipo Wolverine, Venom e mais meia-dúzia de caras sem cérebro. E se você leu o texto do El Cid sobre o Ciclope contra Wolverine, sabe do que estou falando. E concordo em gênero, número e grau com ele. Personagens tridimensionais são muito mais legais do que um anabolizado com músculo até na orelha e com a profundidade de um pires. É o caso do Superman, um personagem muito humano. Ah, e antes que eu me esqueça, eu gosto do Wolverine. Mas só quando ele é bem escrito. Mas ainda assim eu prefiro o Ciclope. E odeio o Venom. :P

O Superman é diferente. E o fato de ele ser tão legal já começa por aí.
Bom, em primeiro lugar, o Super é um alienígena. Só que ele foi criado na Terra. Basicamente, segundo a origem de John Byrne , ele nasceu no nosso planetinha, pois a câmara da nave que o trouxe de Krypton era uma espécie de bolsa d'água artificial. E todos sabem que alguém só nasce quando a bolsa d'água de uma mulher rompe e o bebê, em seguida, sai do ventre da mãe imediatamente (com uma ajudinha de um médico e meia-dúzia de enfermeiras). Mas ainda assim, não muda o fato de que ele é diferente e ponto. Só pra se ter uma idéia de como isso pode ser aterrador ou estranho, pense da seguinte forma: você vai morar em outro país, sei lá... tipo o Uzbequistão ou Romênia. Ou até mesmo Sri Lanka. Você vai trabalhar e estudar em um lugar completamente desconhecido e com uma cultura completamente diferentes para você. Você é um estranho no ninho. Não tem amigos, não tem parentes, não tem ninguém que possa te ajudar se der algum pepino. E mesmo assim, um exemplo como esse não reflete em igual proporção o problema do Super, pois por mais bizarro e longe que seja o país para o qual você vai, você ainda está lidando com seres humanos. Pessoas intrinsecamente iguais a você. E o Super está sozinho num mundo que não é o dele. E ponto. E isso pode ser assustador.

Porém, ele teve a sorte de vir ainda na condição de "feto" para a Terra. Ele foi criado e cresceu aqui. Dessa forma, sempre surgiu um paradoxo extremo na cabeça de escritores e fãs sobre o que o Super é realmente. Ele é humano? É alienígena? O que ele realmente é? O personagem possui valores terrestres, criação terrestre, experiência de vida terrestre. E tem uma "armadura", uma "casca" alienígena. Muitos roteiristas e fãs acham que o "verdadeiro eu" do Super é o Kal-El, ou seja ele é um alienígena vivendo no meio de nós, pobres mortais, sempre sozinho por ser diferente. E não está errado. Porém, a visão paradoxalmente inversa é também válida. Ok, ele pode ser um alienígena, mas o coração e a alma dele são humanos. Sendo assim, para outros, Clark Kent é na verdade o "verdadeiro eu" do Super.

E o mais interessante é que o personagem pode ser trabalhado das duas formas. Porém, isso pode criar uma confusão enorme, uma crise de identidade não só para o personagem, mas para quem escreve. Um roteirista pode gostar mais de uma determinada visão. Aí, o cara sai do título e entra outro roteirista em seu lugar com a visão completamente invertida. Com outra idéia. Aí, danou-se. O que é o personagem então? Uma incógnita. Se trabalhado da forma correta, pode gerar histórias muuuuuito interessantes em sua busca por uma identidade. Eu prefiro pensar que o "verdadeiro eu" do Super é o Clark Kent. Lembrem-se: por mais diferente que ele seja, ele cresceu e foi criado como Clark, mesmo com todas as neuras que ele tinha sobre suas capacidades especiais. Ele mesmo só foi descobrir que era alienígena aos 18 anos de idade. Ele só abraçou a idéia de ser um super-herói quando teve que proteger seu "eu verdadeiro" (tá vendo?), pois já tinha revelado sua existência ao mundo. A identidade é o sossego do personagem. Ele quer privacidade? Veste-se como Clark, que é o que ele é. Quer isolamento total? Ora, bolas, ele pode voar para as montanhas do Himalaia a hora que quiser.

Acrescentando, a maioria dos nerds, na época do colégio, sofreu ao menos um pouco por ser diferente, por ser o esquisito. Por ser aquele cara que ninguém entende. Não tem como não se conectar a essa característica do azulão. Lembrem-se: ele é diferente porque é "o último filho de Krypton". Nós, nerds, ainda temos outros nerds por aí. Além do mais, o fato de ele ser o único de sua raça é a razão de me fazer detestar a Supermoça, o Superboy, o Supercão, o Supercavalo, o Superpikachu e por aí vai...

Venom: exemplo de personagem unidimensional.
O caráter é tudo.
Ok, agora, explicando melhor o esquema de personagens babões e violentos contra personagens carismáticos e tridimensionais, vamos à personalidade do Super. Geralmente escuto coisas como: "Uau! o Wolverine é mau! Olha só como ele estraçalhou com fulano de tal..." ou "Venom pega um, pega geral! Ele atropela qualquer um em dois tempos!" - oh yeah, com certeza... será? Vejo por aí um sem número de fãs de personagens violentos, com suas armas exóticas, suas metrancas cuspidoras de chumbo, seus poderes direcionados para a carnificina e como eles fariam o personagem preferido de qualquer um comer grama. Violência é o que pega, não? Errado... ao menos, pra mim. Algumas bocas dizem: "Ah, o Super é babaca! Ele é bonzinho demais!" ou "Não existe alguém tão certinho!". Ok, pode parar. Então ser violento, ofender os outros, pagar uma de malandro e coisas do gênero é o mais legal então? Eu não acho. Pois vou dizer uma coisa: se todos fossem como o Super em seu caráter, o mundo seria muito melhor. E não, não é babaquice isso que eu acabei de escrever. O aclamado e reconhecido pintor Alex Ross (sim, o mesmo de O Reino do Amanhã e Marvels) já confessou que usa o modelo de moral e bom senso do Super e que isso fez da vida dele muito melhor. E que ainda por cima ele reconhece isso. Quando li isso numa entrevista dele, pensei: "Uau, não sou o único!".

O Super prefere conversar primeiro e depois, em último caso, partir para a briga. Pensando realisticamente, se você é uma pessoa que gosta de bater primeiro e perguntar depois (e logo em seguida, continuar batendo), vai arranjar muita confusão na sua vida. Se eu tenho um problema com alguém, prefiro esgotar todas as possibilidades de conversa. Todas mesmo. E sempre pensando também em me colocar no lugar da pessoa com a qual estou conversando. Aí você me pergunta: "Ah, então caso todas as possibilidades pacíficas se esgotem, você parte pra porrada?" - olha, depende da situação, depende da pessoa, depende muito de váááários fatores.

Partindo para outra vertente, o Super é gentil e educado. E sem ser baitola. Não é uma coisa maravilhosa quando você, independente de quem seja, encontra com alguém que é gentil, atencioso e bem-educado, sendo homem ou mulher? Ou você prefere pessoas mal-humoradas, que furam fila do banco sem mais nem menos, te empurram pra abrir passagem para algum lugar sem ao menos pedir desculpas (e às vezes, de propósito)? Desculpe, mas eu prefiro alguém que me dê um sorriso altamente bonito e confiável no dia-a-dia. É muito mais humano. Além do mais, o aspecto bondoso do Super pode gerar histórias altamente emocionantes, de tocar o coração do mais pedregoso dos sujeitos. É só saber como fazer.

Você prefere confiar em alguém assim...
E pra quem acha que "Ah, isso tudo é babaquice", aqui vai mais uma: o caráter bondoso e o comportamente gentil do Super é o maior exemplo da melhor pessoa que podemos tentar ser a cada dia que passa. E não me venha com a já citada frase "Ah, não existe alguém tão certinho, tão bonzinho!", porque só não existe porque você não quer e porque não consegue enxergar isso nos outros. Por que... você não tenta ser alguém assim? Garanto que as pessoas irão te tratar com outros olhos, as pessoas vão querer sua companhia sempre, pois será agradável ter você ao lado delas. O Super é por dentro tudo o que a maioria das pessoas têm medo de ser ou não querem tentar ser. Se acha que isso não funciona, tente fazer as clássicas ações de levantar para os mais velhos sentarem dentro do ônibus, pegar o dinheiro que caiu do bolso de alguém e devolver ou parar de dormir até tarde e lavar o quintal da sua casa que tá cheio de cocô de cachorro pra que sua mãe não tenha tanto trabalho em casa. Apenas experimente fazer isso. Tudo isso tem nome: respeito. E todos gostam de ser respeitados, certo? É apenas o que o Super faz. Ele respeita os outros. Ele tem consideração pelos outros.

... ou alguém assim?
Agora, se ele é tão bonzinho, roteiristicamente falando, o fato de ele ser tão bonzinho torna-o perfeito para criar armadilhas e dilemas morais, tornando-se, olha só, quem diria, um... defeito? Quem costuma jogar de paladino em D&D sabe do que estou falando...

Os poderes. Ah, os poderes...
Alguns dizem que personagens superpoderosos não tem graça. São poderosos demais e tornam as histórias chatas. Concordo e discordo ao mesmo tempo. Ele é tão poderoso, mas tão poderoso que torna-se um verdadeiro desafio para qualquer roteirista escrever boas histórias com ele. E aí é que tá a graça. Se você é bom contando história, vai conseguir criar grandes desafios pra ele sem ser exagerado. O maior exemplo disso são as histórias no estilo "todos-esses-poderes-e-não-pude-fazer-nada-por-tal-pessoa-ou-com-tal-problema". O maior problema do azulão com seus poderes não reside exatamente em seus poderes e sim em seus vilões. Olha a galeria de vilões do Batman... ou a do Homem-Aranha. É muito mais legal do que os vilões mequetrefes que o kryptoniano costuma enfrentar.

Pensando assim, sou a favor de uma renovação da galeria de vilões do personagem. Manter só os legais, os que prestam mesmo: Lex Luthor, Darkside, Mongul, Brainiac, Metallo e Parasita . Reformula o Apocalypse (ainda tem salvação). Acaba de vez com o Bizarro, a Encantadora, o Dominus, Superciborgue, o Mxyzptlk e o Imperiex. E crie vilões que sejam diametralmente opostos às maiores características do Super. E que tenham contexto e façam sentido, por favor. Se eu tivesse a oportunidade de ser roteirista do personagem, iria alternar os vilões. Em um arco de histórias, seria um vilão clássico. E no arco de histórias seguinte, um vilão novo. E depois, no próximo, um outro vilão clássico. E seguindo a ordem, um outro vilão novo. E por aí vai. Eu iria reconstruir a galeria de vilões do cara. Mesmo. Se não tem ameaça, que graça tem o personagem? Os vilões, às vezes, são mais legais que os heróis e são eles que definem o herói.

E sim, gosto também de heróis sem poderes. Do mesmo jeito. Nada contra o Batman e outros do gênero, muito pelo contrário, adoro o personagem, ainda mais sendo "dcnauta de carteirinha".

Resumindo, o Super tem uma personalidade e caráter bem construídos, que funcionam também como defeitos, se bem explorado. E ele é diferente e ao mesmo tempo, iguais a nós. E ele é o cara que você pode nunca tê-lo visto na vida, mas a partir do momento que você olha nos olhos dele e ele diz um "Tudo bem, você está a salvo!" com um sorriso seguro, não tem como não confiar nele. Se duvida, é só ver os filmes dele. O Christopher Reeve captou essa característica de forma perfeita. O Homem-Aranha é humano, mas o Super não fica atrás, mesmo sendo praticamente um deus porque é algo que está dentro dele, vem de seu berço, da criação que teve com o Kents. E não, não coloquei essa última frase pra provocar o seu El Cid. Eu adoro o Aranha também.

E se depois de tudo isso, você achar que estou viajando veja esse post de uma comunidade do personagem no Orkut. Mais claro, impossível. Para o alto e avante.

http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=56217&tid=11349613


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Comentários Atuais:
Pra começar, o título entrega que fez parte do especial do Superman - o Retorno na época da estréia do filme.

O que eu mudaria? Provavelmente hoje eu faria um texto mais humanitário, menos revoltado, digamos. 

Os pontos principais continuam válidos e acho até que, passado todo esse tempo, a questão é ainda mais pertinente. Sinto que o mundo caminha para um estado cada vez mais individualista das coisas e isso é triste.

Procurar não ser a pessoa mais honesta, correta e íntegra possível porque "não existe ninguém assim" ou "os outros não são assim comigo" é se eximir da responsabilidade da busca de tornar-se um ser humano cada vez melhor. É uma muleta para o conformismo e desculpa esfarrapada na tentativa de não admitir os próprios defeitos de caráter. É difícil admitirmos nossos próprios defeitos? Sim, é. Porém, você pode enganar a todos, menos a si mesmo.

Quanto à parte criativa, eu calquei o texto na origem criada por John Byrne. Porém, da data de publicação original pra cá, a DC fez várias reinterpretações da origem do personagem, causando mais confusão ainda. Entretanto, é capaz que eu continuasse com a ideia da origem do Byrne devido a ela ser a mais impactante e coerente pra mim.

Sobre o link do Orkut, fiquei surpreso por ele ainda existir. Que bom.

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