quinta-feira, 8 de setembro de 2011

QUAL É O PROBLEMA COM ROTEIRISTAS DE HQS NO BRASIL?

Sem os artistas trabalhando, os nossos
roteiristas não tem como praticar e
assim, melhorar.
Um dos grandes mistérios entre leitores e profissionais de HQs é esse. Por que é assim por aqui? E... é só culpa da falta de roteiristas mesmo?
Vamos lá, vamos tentar responder.
:: TUDO É UMA QUESTÃO DE PORCENTAGEM...
Primeiro, vamos pegar uma questão técnica. Quem lê - qualquer coisa - aqui no Brasil? Quanto é a porcentagem da população leitora no Brasil? Olhe qualquer estatística do hábito de leitura no Brasil e verá que é uma porcentagem muito pequena, se comparado com o número total de brasileiros, com pouca variação. Agora imagine esse total de pessoas que gostam de ler. Pegue uma porcentagem ainda menor em cima deles representando aqueles que gostariam de se tornar roteiristas e/ou escritores de alguma forma. Em cima dessa galerinha, pegue uma porcentagem menor ainda representando aqueles que realmente vão atrás de um curso de roteiro ou curso literário. Desse novo e cada vez mais diminuto pessoal, pegue uma nova porcentagem representando aqueles que realmente levam a carreira a sério depois de um curso. Desses, pegue uma nova porcentagem - note que tá cada vez menor - que representa aqueles que querem fazer HQs (afinal, tem gente que quer fazer outras coisas, como cinema, TV, teatro, etc). Agora desse povo, pegue uma porcentagem menor ainda que consegue ser bom no que faz.
Sentiu o drama?
Desenhar todo mundo tenta ao menos uma vez. É legal, chama a atenção, todos os ilustradores trocam figurinhas sobre técnica x, y, z. Escrever? Pfff...
Agora tenha na sua cabeça a situação sinistra e bagunçada da editoração de HQs em nossa querida terra tupiniquim. E por que isso acontece? Falta de comunicação. Numa área que é de, pasmem, comunicação.
Falta de comunicação entre todas as variáveis da equação: roteiristas, desenhistas, editores, leitores... todo mundo. Como é mais fácil falar mal de alguém do que dia após dia fazer o possível para, a cada passo, mudar o mercado editorial, então falamos mal de Deus e o mundo. Nasce um milhão de trolls para cada gênio nesse meio. No final das contas, a culpa é de todo mundo.
E o que seria essa falta de comunicação?
:: O QUE A FALTA DE UM MODELO DE APRESENTAÇÃO DE PROJETO FAZ...
Tenho uma idéia de por onde começar. Que tal uma conversa franca entre todas as partes da equação citadas acima a fim de criar um padrão de apresentação de projetos? Nos EUA isso é primordial para que qualquer história - seja cinema, séries de TV, quadrinhos, o que for - seja aceita por um produtor/editor. Isso chama-se pitch.
Colocarei um exemplo de pitch na minha próxima postagem, caso queira ler. Aliás, é legal que leia, porque vendo suas características, você perceberia de maneira óbvia porque editores e quadrinistas precisam adotar esse sistema de avaliação de projetos.
Agora, perguntas aos editores:
Quantos de vocês receberam propostas através assim? Não reparem (sarcasmo mode on) no caráter retórico da pergunta (sarcasmo mode off).
E quantos de vocês gostariam de receber propostas de série assim?
(acho que não preciso ser sarcástico de novo)
Agora, pergunta aos quadrinhistas aspirantes:
Quantos de vocês fizeram um pitch perfeitinho e apresentaram aos editores? E sim, exatamente como explicarei no próximo post. O pitch deve ser rápido, sucinto e sem faltar nenhum dos itens citados ou burlado qualquer uma das regras mostradas. Sem “jeitinho brasileiro”, por favor. Só contará pontos contra você.
Pergunto de novo: quantos de vocês apresentaram um pitch nível profissional para os editores? Mais uma vez, sinto que a pergunta pode ser retórica.
O pitch funcionaria no Brasil? Quem pode dizer são os editores. Se não funcionar, por favor, editores, não seria a hora de sentar e criarem um padrão de apresentação de propostas e divulgar a Deus e o mundo para que os aspirantes a quadrinhistas comecem a ter mais profissionalismo?
Por que artistas e editores precisam agir assim...
:: INIMIGOS QUANDO DEVERIAM SER AMIGOS/ALIADOS...
E tem isso também: editor acha que quadrinhista brasileiro não é nem um pouco profissional. Quadrinhista brasileiro acha que editor é tudo um bando de gente gananciosa e elitista.
Não é por aí, gente. Enquanto - mais uma vez - uns acusarem outros, nunca sairemos do lugar. Que tal todos numa mesa, cada um ouvindo a outra parte e todos chegando a um consenso? Que tal os quadrinhistas sentarem com os editores e todos chegarem a um processo de como fazer? Panini, Conrad, Gal, JBC, New Pop, não importa. O que importa é que todos estejam no mesmo lugar, conversando. E diante dos quadrinhistas. Nada de leitores. Quadrinhistas. São os caras que produzem, certo? Então eles apenas. Como naqueles eventos onde fabricantes de brinquedos apresentam idéias apenas para empresários. Mostrem a estrada dos tijolos amarelos. Ajudem os quadrinhistas a apresentar seus projetos. E depois de ajudar, olha só, melhor pra vocês, que se os quadrinhistas não seguirem as normais, não terão do que reclamar. E quadrinhistas, se depois dos editores mostrarem claramente a vocês como é, não adianta reclamar deles também.
Ok, lance da falta de comunicação explicado. E o que vem agora? Vem a parte do estudo.
Como são os cursos de roteiro no Brasil?
:: PREPARAÇÃO TÉCNICA: AINDA DEFICIENTE NO BRASIL
A maior parte deles, em números esmagadores, foca em vídeo ou literatura. Ou é curso para cinema ou para escrever livros. Assim fica complicado.
Um curso voltado apenas para cinema ensinará o aluno a escrever apenas para cinema e como entrar apenas nessa indústria. Ser roteirista é mais do que lidar com apenas uma mídia. É uma necessidade conhecer técnicas de mais de uma mídia.
Se você é um cara que quer porque quer ser roteirista de teatro, tentar entrar só nesse meio de forma obsessiva é um erro monstruoso. Quando aparecer a oportunidade, faça um trabalho para TV. Não é o que quer? Não importa, faça. Apareceu oportunidade para escrever para videogames? Faça. Ainda não é o que quer? Apenas faça.
Roteirizar para outras mídias traz, entre outros benefícios, duas vantagens principais. A primeira é que você irá adquirir experiência. Você terá tempo de trabalho como roteirista, o que conta muito aos olhos dos editores. A segunda é que trabalhando para outras mídias, seu nome irá circular entre produtores e editores, fazendo aparecer convites para outros serviços até que, olha só, apareceu um para quadrinhos!
... quando poderiam agir assim?
Dessa maneira, quanto mais completo o curso, melhor.
Outro erro das pessoas em geral é pensar que roteiristas apenas... escrevem. Não, não é por aí. Quando você se torna um roteirista, você pode:
- Ser o roteirista principal, escrevendo filmes, séries, novelas, minisséries, desenhos animados, peças de teatro, livros, programas de auditório, histórias em quadrinhos, cursos de e-learning, videogames, entre diversas outras mídias.
- Ser roteirista de uma produtora de vídeos publicitários e/ou institucionais, seja em caráter fixo ou como freelancer. A maior parte dos roteiristas brasileiros estão nessa categoria.
- Auxiliar de roteirista: você é um roteirista novato e faz parte de uma equipe que tem outros roteirista que trabalham para um roteirista mais experiente e gabaritado. Novelas fazem muito uso disso.
- Ghost Writer: você trabalha para algum roteirista de forma semelhante à descrita acima, mas sem equipe. Você o ajuda naquilo que ele está escrevendo no momento e boa parte do que entra na história a autoria é sua, mas você nunca receberá os créditos. Ou alguém que não sabe escrever e só tem “idéias legais” contrata você para colocá-las em ordem, tornar as tais idéias um roteiro. Mas mais uma vez os créditos são dessa pessoa. Os roteiristas profissionais são divididos quanto à essa prática por uma série de questões morais e profissionais.
- Parecer e análise: análise crítica de um roteiro. Uma produtora de cinema e/ou vídeo contrata você para ler um roteiro escrito por outro roteirista para que você o analise, retornando com suas opiniões, escrevendo um documento dizendo o que está bom e o que está ruim e precisa ser mexido. Ás vezes para nisso e às vezes você também pega o roteiro que tem defeitos e/ou está mal escrito e escreve um documento dando sugestões de como melhorá-lo. Tudo depende do acordo que fizer com seu cliente.
- Reescritura: você simplesmente reescreve um roteiro de outra pessoa do zero, mantendo as linhas básicas de história.
- Revisão técnica: o roteirista irá procurar e consertar formatação e termos de roteiro que estejam errados de acordo com o padrão de cinema e TV.
Isso tudo, entre vários outros serviços que roteiristas profissionais prestam. Tem gente pra todo esse serviço? Tem. Então temos roteiristas? Temos. O problema é que a maioria não quer fazer quadrinhos. Não dá dinheiro. Ou não tem interesse, pois não é fã, não é leitor, não gosta.
O que nos faz voltar para aquela porcentagem mirrada do começo que quer ser roteirista de quadrinhos.
Caras como esse aí de cima poderiam publicar projetos aqui se não fosse o medo das editoras. E com ele, roteiristas apareceriam. Mas ao invés disso...
:: VOCÊ JÁ É ROTEIRISTA E QUER FAZER QUADRINHOS
Agora, vamos dizer que você fez cursos. Começou a trabalhar em outras mídias, mas você quer fazer HQs. Chega um momento que você se sente experiente e começa a bolar uma série. Faz parceria com artistas para cobrir desenhos, arte-final, etc. Montam o pitch do jeitinho explicado no próximo post. E não dá certo. O que houve?
De duas, uma.
1 - Ou você escreveu um texto ruim e/ou os desenhos é que estão ruins.
... as ideias acabam parando aí em cima...
2 - Ou você estragou tudo na conversa com o editor.
Reveja o texto. Não tem nada de errado? Está bem escrito gramaticalmente? Está comercial? Tem profundidade? Os desenhos estão excelentes? Então é a segunda opção.
E como rola o contato com o editor? O pitch foi entregue, o editor curtiu e te chamou para uma reunião. Beleza. Como fazer pra não cometer o item dois lá de cima?
Primeiro, transmita segurança. Se você não tem confiança nem certeza na história que tem, como quer que o editor confie em você?
Quando o editor lhe fizer perguntas, tenha respostas curtas. Se consegue sintetizar os detalhes de sua história, o editor sabe que você pode colocar bastante informação em uma página utilizando o mínimo de texto.
Outra: agir com naturalidade é um dos grandes segredos. Não pareça um vendedor. Ok, o que está fazendo é mesmo vender seu peixe, mas não fique parecendo um daqueles caras que batem de porta em porta vendendo enciclopédias.
Duas coisas principais são foco no que o editor quer. E o que ele quer? Tirar quaisquer dúvidas sobre seu projeto, ou seja, conseguir mais informações e, o relacionamento profissional. Como assim, “relacionamento profissional”. Ele quer te conhecer, simples assim. Quer saber se você é um mala ou seja é alguém fácil para trabalhar junto. A maior parte das informações do projeto ele já tem e o que não tem, pergunta na hora. Desse modo, o mais importante é você. Se você é mala, você pode ter o novo Watchmen, ele não vai pegar.
Outro detalhe importante é que cada pessoa tem um jeito, então seja flexível. Não empurre o conteúdo do seu pitch goela abaixo. Não precisa contar seguindo uma “linha temporal” como nos livros de História. Vá adaptando o conteúdo do seu pitch conforme a conversa com o editor se desenrola.
... ao invés de dar a chance de bons roteiristas surgirem...
Geralmente os novatos não imaginam, mas o pitch é um processo seletivo. A idéia é legal, mas tem muitos erros gramaticais e/ou de digitação? Reprovado. O texto está perfeito, mas a idéia é bem fraca? Reprovado. Se os dois estiverem bons, uma reunião é marcada.
O pitch tá perfeito, mas você é um mala? Reprovado. O pitch tá perfeito, você é bacana, mas não se ajeita com a política editorial do cara? Reprovado.
Mais uma vez, um bom curso ensinará tudo isso e muito mais. Fora que, como salientei, é preciso ter um tiquinho de experiência em outras mídias para antes pular para mais uma.
Vê que é preciso muito mais do que apenas pensar “Eu quero fazer uma HQ”? Tem noção da porcentagem de chance de termos roteiristas de HQs baseado no hábito de leitura brasileiro? Não adianta o “quero porque quero” e, sem estudar, querendo pular etapas, sair escrevendo. Nesse ramo não funciona assim.
:: FAÇAM AS PAZES, EDITORES E QUADRINHISTAS, PELO AMOR DO SANTO STAN LEE
Você criou uma série bacana. O pitch tá legal. A reunião foi supimpa. Você irá publicar. Mas aí, depois de acabar esse trabalho, começa tudo de novo. E ter publicado uma vez não é garantia de conseguir algo mais facilmente. Por que?
Caímos mais uma vez - criando um maldito círculo vicioso - no lance de que editorialmente, aqui é tudo uma bagunça. Um mercado bom, nos moldes como o do americano, do japonês ou do europeu, não nascerá apenas com o surgimento de uma HQ revolucionária, daquelas que jamais vimos antes. Será apenas uma andorinha.
Além da tal HQ revolucionária, volto na questão da comunicação. Editores e quadrinhistas tem que ser amigos. Todos só tem a ganhar.
Tem que haver uma padronização e uma comunicação forte sobre como publicar, como apresentar projetos. Já pensou como seriam os TCCs se não houvesse todo aquele manual de redação exigido pelas faculdades? Não temos uma ABNT dos quadrinhos ou algo assim. Enquanto cada elemento da equação não se mexer - e é preciso que todos se mexam, não só alguns - não irá melhorar para ninguém. O mercado continuará o mesmo.
É preciso que o mercado seja visto e encarado de forma profissional por todas as partes. Se as partes não agirem profissionalmente e através de alianças, o mercado não surge.
:: EU POSSO SER UM ROTEIRISTA?
Alguns podem achar besteira, tem todo o direito de discordar do que eu vou falar agora. Porém, escrever é como o vinho, melhora com o tempo. Então eu acredito que quanto antes você começar a praticar, melhor.
Você tem 14, 15 anos e quer ser roteirista? Aproveite.
Sim, aproveite. Você é novo. Faça cursos. Monte peças na escola para testar suas teorias e aprendizado. Entre em contato com companhias locais de teatro amador e se apresente, mostre algo que escreveu. Encene alguma coisa. Ou escreva contos e poste na internet. Vá lapidando o que aprendeu nos cursos. Dominou? Então escreva um livro. Ou dois. Ou três. Participe de fanzines para praticar. Vá em universidades que tenham curso de Cinema, Publicidade, Rádio e TV e se apresente aos alunos. Eles precisam fazer vários trabalhos para o curso e nem todo mundo num curso desse tem jeito para a escrita. Faça algo com eles, diga que escreve alguma coisa para que eles ponham em prática o que estão aprendendo sobre direção e outros segredos das filmagens. Mesmo que nada vire, nada seja publicado ou produzido, você está praticando. Escrever é como vinho, melhora com o tempo. Chegará um momento, conforme os anos passarem, que você já terá prática suficiente e terá dominado todas as técnicas de roteiro. E com experiência, fica mais fácil um editor olhar para você.
Você tem 27, 28 anos e quer ser roteirista? É, nunca é tarde pra começar, mas é melhor correr.
Após fazer cursos e ouça atentamente o que seu professor tem a dizer sobre como conseguir uma sombrinha ao sol. Alguns dos itens descritos acima para os mais novos não estão descartados, mas como você não tem tanto tempo quanto alguém de 14, 15 anos, veja que estratégia pode traçar para fazer alguma coisa e ainda assim casar perfeitamente com sua agenda atual. Tenha metas. Vá em eventos de cinema, eventos literários, se apresente, dê as caras a bater.
Vamos dizer agora que não importa sua idade. Você fez tudo que tinha que fazer para praticar, pegar experiência, ter seu nome rodando no mercado de alguma maneira e afins. E tudo o que quis fazer é escrever HQs. Você esbarrará num problema logístico. A inexistência do mercado.
(que enquanto, como disse, não houver um padrão e todos não se ajudaram, não irá surgir)
Como fazer?
Aspirantes a desenhistas, arte-finalistas e coloristas também lutam contra o tempo. Quando são novinhos, moram com os pais, tem toda a possibilidade de tentar projetos que podem não dar em nada. Eles não pagam contas ou só ajudam com uma ou outra despesa básica, se tanto; entre outras mordomias da juventude. O ruim da juventude é que a chance de ter alguém pronto para publicar - artisticamente falando - é quase nula. Geralmente um aspirante a quadrinhista está estudando desenho, sua técnica ainda está longe de ser apurada, tem muito chão pela frente.
Porém, conforme vão ficando mais velhos, começam a trabalhar e a dura rotina da combinação horário comercial + horas extras mata quase qualquer chance de um sujeito desenhar páginas assim que chegar em casa.
E conforme vão ficando mais velhos, a vida precisa ser feita. Uma namorada já quer ser noiva, que dali um tempo vira esposa e daqui a pouco surge um filho - se você já não fez antes uma criança, colocando o carro na frente dos bois, só piorando sua situação. É, fica difícil continuar tentando essa carreira.
Em ambos os casos, o que fará a diferença - uma diferença maior ainda no caso de aspirantes já velhos - é a determinação. Pura e simples determinação.
Os artistas querem isso? Os roteiristas também!
:: OS ROTEIRISTAS TAMBÉM QUEREM DINHEIRO, ARTISTAS!
Quando tem um roteirista que quer fazer algo tenta juntar uma equipe de arte, o que mais escuta é: “Vão pagar por página? Quanto?” e variantes - como se o roteirista fosse uma editora. Deixa eu contar um segredinho pros artistas: roteiristas também querem dinheiro.
Pagar por página? Filho, isso no Brasil quase não existe. Quando rola, é pouco em comparação ao mercado americano. Mesmo sendo pouco, levante as mãos para o céu, pois você é um afortunado.
Aproveitando, esqueça esse molde do mercado americano. Aqui funciona com royalties e outros acordos oferecidos pelas editoras. Quer receber nos moldes do mercado americano? Então se mexa. De graça. É isso, mesmo, de graça. É legal? Não. É justo? Também não.
Voltando, quando um roteirista que quer fazer algo tenta juntar uma equipe de arte e explica como as editoras aqui fazem, escuta algo assim (e suas variantes): “De graça? Nem ferrando! Não trabalho de graça. E tenho conta pra pagar”.
Antes de mais nada, só ele tem conta pra pagar, né? Do roteirista ao letrista, todos tem contas para pagar. Caia na real: estão todos no mesmo barco. Roteirista, arte-finalista e colorista trabalharão tão de graça quanto você. E se você é um arte-finalista, o mesmo serve pra você, que serve também para você, coloritsta. Enquanto todos - sem excessão - não se mexerem, não haverá uma HQ feita e sem HQ feita não haverá apresentação para o editor e sem apresentação para o editora, vocês não publicarão nunca.
Porém, sem parceria entre roteiristas e
artistas...
Quer fazer parte de uma equipe de arte no Brasil? É roteirista? Escreva de graça. É desenhista? Desenhe de graça. É arte-finalista? Finalize de graça. É colorista? Pinte de graça. E nem é tanto, cinco (05) páginas para o pitch já bastam. Não precisa fazer a história inteira. Só precisam juntar forças e montar um pitch. Cada um na sua especialidade.
Montou o pitch? Apresentou? Teve reunião com editor e ele bateu o martelo? Supimpa! Agora sim é a hora de falar de acordos, valores, contrato. Agora você terá o retorno do seu trabalho.
Ah, os valores ainda não agradam? Continue fazendo. Digamos que uma equipe criativa começa a fazer alguns trabalhos juntos. Um atrás do outro e vocês são dedicados, estudiosos, esforçados... mesmo que não vejam a cor do tutu. Um prêmio aqui, dois ali, os leitores apenas elogiam vocês, uma das HQs consegue ser publicada nos EUA... a coisa ta engrenando. Vai chegar uma hora que vocês terão todo o direito de pedir pagamento por página, pois sabem que seu trabalho vende muito bem e, portanto, está gerando lucros para a editora. Se uma editora tem apenas uma equipe criativa nesse nível, fica complicado apenas ela bancar o resto da editora. Agora, se a editora tem umas seis ou sete equipes assim, então dinheiro ta entrando e aí fica mais fácil pedir pagamento por página.
Os artistas tem que parar com a mania de achar que aqui funciona como o mercado americano de quadrinhos. Quadrinhos no Brasil funciona como no mercado fonográfico. O músico (ou banda) passa meses compondo letras e música. Nesses meses, tem que pagar as contas de alguma outra forma, sendo garçom, balconista, policial, faxineiro, não importa. Depois que tiver tudo fechadinho e anotado, vão para o estúdio, gastando uma boa grana com a locação e serviços do lugar para que as músicas fiquem redondinhas. Só nisso vão mais alguns meses. Agora o músico tem a despesa de se manter e ainda a despesa com o estúdio. Depois vem a gravação, distribuição e publicidade do álbum, que já vai mais grana e massa cinzenta (porque afinal, agora terá que haver alguma estratégia para que até o Papa conheça suas músicas). Oba, temos um CD pronto. Na era do mp3.
Ou seja, o músico não terá o (provável) merecido retorno com a venda de seus CDs. Nem os artistas mais famosos tem esse retorno. O retorno vem com os shows. O lucro do CD vai praticamente para as gravadoras, se você tiver o suporte de uma.
Então ele tem todo esse trabalho por meses só para ter o retorno bem depois? É, cara-pálida isso mesmo. E a indústria foi assim durante décadas até que o mp3 deu as caras e causou a revolução que continua causando. E essa indústria funcionou durante todas essas décadas, não funcionou? Artistas vendiam discos e depois CDs aos milhões, não era?
E porque você, artista de quadrinhos aspirante, todo gostosão, não pode trabalhar “de graça”? Não responda, por favor. Veja que você não estará trabalhando “de graça”. Você está criando um produto e para ter retorno com ele, o produto precisa estar pronto. O pitch é a apresentação desse produto. E um pitch não surge “do nada”. Roteirista tem que trabalhar, assim como desenhista e todos os outros.
... um mercado forte nunca irá surgir.
Só deixando de lado essa visão egoísta de “trabalhar de graça” e, efetivamente colocando a mão na massa é que cada vez mais projetos surgirão, aumentando as chances de mais trabalhos serem publicados e, com mais trabalhos sendo publicados, o mercado vai se fortalecendo até que possa surgir algo nos moldes do tão sonhado mercado americano. Em outras palavras, até que as equipes criativas façam os editores abrirem as pernas. E editores, sei que é isso que querem, afinal, estariam ganhando uma boa grana.
Agora, se alguém aí acha que algo assim surgirá do nada, através de apenas uma série ou com o trabalho de uma equipe criativa apenas, é melhor acordar, meu caro Nemo.
Só a união de roteiristas, artistas e editores fará com que nossos roteristas possam praticar e assim melhorarem. Só a união fará um mercado forte surgir. Só a união fará com que as HQs vendam a ponto de criadores ganharem por página. Durante quanto tempo os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá fizeram quadrinhos sem ganhar nada? Eles foram fazendo uma atrás da outra, praticando, melhorando, mostrando ao mundo o trabalho deles. Eles passaram anos plantando. Até que colheram. "Só" estão ganhando Eisner Awards, o Oscar dos quadrinhos, um atrás do outro.
E por favor, pare de reclamar. O tempo gasto reclamando, seja ao vivo ou na internet, você poderia estar escrevendo. Ou desenhando. Ou arte-finalizando. Ou colorindo.

4 comentários:

  1. Sou Tradutor-Intérprete com formação em letras, aprendi a ler em ASTERIX e TINTIN, tenho Mestrado e Doutorado na USP, faço hq desde os DOIS anos de idade, tenho faculdade de DIREITO, fui da diretoria da AQC onde publiquei a cARTILHA DE DIREITO AUTORAL, tenho livros publicados e já publiquei roteiro meu na EDITORA ABRIL entre muitas outras menores, tenho álbuns alternativos em quinta edição (http://calazanista.blogspot.com/2012/01/quadrinho-independente-em-quinta-edicao.html ) e como roteirista que trabalhou com oito a dez desenhistas considero interessante seu texto, embora voltado a hq comercial, o quadrinho autoral segue outros parametros que não vou explicar num post, mas sugiro ler GIAN DANTON, ele tem livros sobre Allan More e outros roteiristas autorais, estas editoras tem contrato de adesaõ com cess~~ao integral (como os criadores do Super-Homem, lembram?) e eu fui sempre maltratado e roubado e até plagiado por estes pequenos editores, o assunto é muito amplo e complexo para esgotar aqui mas com certeza não temos boas ideias, bons roteiristas, e um péssimo mercado que tem editores marginais no pior sentido como o SCARFACE cujo corte na cara feito pelo marido travesti já ´´e em si uma credencial do tipo com que estamos tratando.

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  2. Nossa, ng comentou nesse excelente post??? Bom, 8 de setembro e jah estamos em 2012!!!! Talvez nem o criador do blog veja o meu comentário kkkk

    Mas parabens!! Concordo com tudo q vc disse, mas sei que o buraco é mais em baixo tb, e acredito que vc saiba disso, mas não tenha tido tempo de escrever tudo, ou na hora não lhe veio à mente.

    Quero ver esse "pitch" depois rsrsrsrs (o palavra chata!! Não tem uma sinônimo pra isso não???? rsrrs)

    Abraço!!!!

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  3. Eu , o Drope e o Billy tínhamos um grupo legal, mas os dois infelizmente esbarraram em alguns problemas : um teve que pagar todas as páginas desenhadas ANTES de ter algo certo onde publicar, o Billy se ocupou demais com faculdade e emprego...
    Mas acho HQ um'vício' interessante, e iremos voltar, mais maduros, com mais parcerias, com tentativas, acertos e erros... Já estou produzindo algumas coisas , e espero achar algum local pra publicar de forma viável e com uma visibilidade aprazível pro Guardião Noturno do Drope...
    p.s.: Acho que nao tem comentário pq a galera se acomodou em citar apenas sucessos de fora pra denegrir os artistas nacionais e rebater qm dizcorda disso...como nesse post nao tem algo que dê margem pra isso, nao sabem comentar outra coisa...

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  4. Parabéns, Emílio pelo seu olhar sincero sobre a questão dos roteiristas. Sou roteirista de quadrinhos e entendo perfeitamente o que você falou. Eu já desisti de fazer quadrinhos e voltei há uns dois anos. Finalmente consegui publicar uma hq através de um projeto cultural aqui na minha cidade (Natal, RN). Isto me motivou a continuar a fazer os meus roteiros e com certeza vou lutar para publicá-los. Mesmo sabendo que não vou ganhar nenhum centavo. O ganho será da experiência para o futuro. Vou publicar por que eu vou atrás de tudo. Se não conseguir um patrocínio, vou bancar do meu bolso mesmo. É preciso muita coragem e dedicação para as coisas poder dar certo. Aqui as coisas são difíceis, mas há um interesse em fazer algo novo e arriscar. não tenho medo de encarar. Quero que as pessoas leiam, este é o sonho de todos os roteiristas, que critiquem, que odeiem ou gostem. Para isso tem que aparecer. Não pode desistir. Infelizmente, somando tudo o que você falou,ainda existe o fato que não temos muitos roteiristas de quadrinhos conhecidos lá fora, para poder abrir as portas dos mercados internacionais como é o caso dos desenhistas que já estão dominando a cena. De qualquer modo parabéns pela coerência e um abraço!

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