Road Salt One |
Road Salt One é o mais novo álbum da banda sueca de prog metal Pain of Salvation. É o sétimo trabalho de estúdio e sucessor de Scarsick. Ele faz parte de um álbum duplo que está sendo lançado em separado. A previsão de chegada de "Road Salt Two" é para setembro próximo.
Como qualquer trabalho da banda, trata-se de um álbum conceitual, com uma história de pano de fundo. De acordo com o vocalista, guitarrista e líder, Daniel Gildenlöw, "Road Salt One" é um apanhado de histórias paralelas que não são nem ficcionais e nem autobiográficas, de modo que é centrado no tema de "fazer escolhas", focando nas escolhas feitas por cada personagem. Gildenlöw tem comparado muito o álbum à ideia central do filme Magnolia, de Tom Cruise, em suas entrevistas.
Como os conceitos e brincadeiras criadas por Gildenlöw são muito abertas a interpretações, neste texto tratarei das minhas, estejam elas certas ou erradas.
O álbum começa com a gritante e agitada "No Way". Sua letra demonstra a história de um homem que está apaixonado por uma garota e recebe avisos do ex dela sobre as camadas - pra não dizer cicatrizes - emocionais em seu coração. É uma canção que fala sobre como as pessoas afetam umas às outras no âmbito profundamente sentimental, emocional, mais na questão de relacionamentos amorosos.
Normalmente, quando conhecemos e nos apaixonamos por alguém,a pessoa é novidade para nós. É um terreno a ser explorado e o que cada pessoa é nos relacionamentos, é reflexo de suas experiências passadas. "No Way" explora como essas experiências afetam quem está chegando, quem quer conquistar alguém que já trilhou caminhos de felicidade e depressão causados por relacionamentos amorosos.
Musicalmente, é muito mais cru, como um rock old school, um de volta ao básico estilão anos 70, remetendo a The Who, The Doors. Gildenlöw consegue fazer um progressivo usando da filosofia do menos é mais, coisa impensável quando se trata do gênero. São guitarras mais cruas, com uma sonoridade específica da época nos teclados, algumas pausas bruscas que lembram daqueles anos encontrada em 90% das bandas de então. Seu vocal brinca, como de costume, entre o grave e o agudo, sem dever nada a outros trabalhos e seguindo a tendo por inspiração Ian Gillan (Deep Purple) e Jim Morrison (The Doors), mas com sua maneira pessoal de interpretá-los. A bateria talvez seja o mais contemporâneo da cozinha toda, mas encaixa-se com uma perfeição absurda. É um ótimo início de álbum e um belo cartão de visitas para o resto do trabalho.
Na sequência, "She Likes To Hide" fala de como nos fechamos depois de uma recente ferida emocional. O grande quê aqui não é nem tanto a letra - coisa difícil de acontecer em um trabalho de Gildenlöw - mas o conjunto da obra, o resultado final, de modo que as melodias, tanto dos instrumentos quanto do vocal dele é que são o grande destaque. Possui uma levada de blues, mas com mais peso para as guitarras. É uma canção mais crua ainda do que "No Way" do ponto de vista progressivo, mas que não tem o erro de ser simples demais.
"Sisters" é a terceira e tem uma levada quase de marcha em boa parte da bateria e dá mais destaque para piano e teclado, deixando as cordas das guitarras e baixo mais para complementos e com um timbre mais característico de instrumentos de décadas atrás, mostrando um esmero especial da banda quanto a detalhes. A letra é um aberto absurdo para interpretações, de modo que ainda não consegui chegar a um consenso em minhas audições.
Daniel Gildenlöw, o gênio musical por trás do Pain of Salvation |
"Tell Me You Don't Know" é uma das mais interessantes tanto na melodia quanto nas letras. O classicismo é um dos grandes problemas do ser humano. A mania de se achar melhor do que o resto, mais especial, de ter sempre a razão. E isso é questionado na figura de uma pessoa que tem seus ideais, dogmas e preceitos quebrados e precisa se reencontrar no mundo. A ambientação folk da melodia dá uma sensação quase interiorana, como se a figura fosse um caipira que vai para a cidade grande pela primeira vez. A essa altura do campeonato, nota-se que eles estão tocando músicas mais curtas, mais acessíveis, diferentes das grandes obras de mais de dez minutos que caracterizam o progressivo.
"Sleeping Under the Stars" é algo bizarro e ao mesmo tempo com escolhas tão acertadas que cria algo curioso. Parece uma melodia tiradas dos maiores circos de aberrações que você puder imaginar, criando um clima de filme de terror com cenários circenses estranhos. A combinação dos intrumentos deixa a imaginação voar fácil por cenários assim. O vocal altamente interpretativo de Daniel faz dele quase um mestre dos picadeiros. Já a letra caminha por uma personagem que tem uma vida boêmia e desregrada, onde tudo é festa e curtição, tornando-se quase uma personagem de showbizz, questionando se uma vida assim realmente vale à pena, se há profundidade e significado em seguir dessa maneira.
A sisuda "Darkness of Mine" quebra todo o clima agitado das duas canções anteriores, caindo para o sombrio e tenebroso. Em alguns momentos, lembra até algumas coisinhas do Black Sabbath. Seu timbre é quase cinematográfico e a agitação repentina no refrão é quase como um vilão de terror fazendo sua aparição triunfal, assim como sua parada repentina é quase uma fuga deste. Daniel canta como alguém cuja vida está perdida, destroçada, exatamente como as de viciados em drogas quando estão perdendo a luta para as substâncias ilíticas, que é o tema da letra. O backing vocal é quase a droga em si, viva, como se estivesse sussurrando no ouvido de seu usuário, pedindo por mais. É com certeza um dos melhores momentos do álbum.
"Linoleum" é o carro-chefe desse trabalho, uma das primeiras canções a ser divulgadas em EPs. É a mais agitada e direta, talvez a mais comercial mesmo. Creio que todas as pessoas já passaram por momentos de fragilidade onde não podemos desabar diante das dificuldades impostas pela vida na tentativa de seguir adiante. É sobre isso que trata "Linoleum" de uma forma brilhante, mesmo tendo um apelo mais vendável. É quase uma mistura de The Doors com Soundgarden de uma maneira única. A levada a dois minutos e trinta e cinco na música é quase lisergicamente hipnótica. É incrível como Daniel consegue criar algo comercial e ao mesmo tempo com uma sincronia criativa e inesperadamente incrível nos instrumentos. A brincadeira entre vocal e backing vocals não dá vontade de parar de cantarolar junto.
Talvez "Curiosity" seja o ponto mais baixo do novo álbum, mas ainda assim, melhor do que 90% sendo feito hoje no mercado. Ela segue a linha agitada de "Linoleum", porém, de uma maneira diferente e quase caótica. Só fui gostar mesmo dela com várias audições e foi a mais difícil de lembrar quando refletia sobre "Road Salt One". A letra brinca sobre como um casal interpreta o que é amor e como essas interpretações afetam o relacionamento deles.
A coisa aumenta novamente de nível com a chegada de "Where It Hurts", que segue a linha sinistra de "Darkness of Mine". Essa música tem a temática de explorar nossos pontos fracos, onde realmente nós podemos ser machucados, não importa de que forma seja. É cruel e doloroso, é raivoso e deprimente. É mais um momento brilhante de "Road Salt One". Essa canção, assim como em todo o resto do álbum, mostra o que é difícil hoje em dia: uma banda que prima sobre que forma passará uma mensagem e quais são os melhores meios para isso. Uma instrumento não quer aparecer mais do que o outro ou quando o faz, tem uma razão para tanto. Recentemente ganhou um clipe que foi banido do Youtube e do Vimeo devido a aparecer uma garota parcialmente nua, ter muito sangue e até um coração batendo na mão de Daniel. Pessoalmente, não considero o clipe tão pesado assim para tanto, mas como há sempre o politicamente correto e a falsa moralidade reinando em muitos lugares, não é de se surpreender.
Hermansson, Margarit, Hallgren e Gildenlöw |
Por fim, a décima segunda e última canção de "Road Salt One" é "Innocence". E vou te dizer, que senhora canção. É a melhor, disparada, de todo o trabalho. Só consigo imaginar que o único motivo de Daniel tê-la colocado por último é para pedir por mais, fazendo ficar aquela vontade de "Road Salt Two" ser lançado o mais rápido possível. É uma canção que te faz refletir sobre os momentos em que você aposta todas as suas fichas em uma certa direção em sua vida, dá com a cara na parede e tem que recomeçar. É sobre redenção - um tema pelo qual tenho uma queda forte - e como lidamos com o fato de estarmos errados, de ter nossas convicções testadas e quebradas. É sobre a reinvenção do eu em todas as camadas do ser humano até o âmago do ser. Eu não consigo colocar em palavras como a melodia dos instrumentos soa em conjunto com os vocais e como formam um conjunto de indiscutível qualidade.
O Pain of Salvation tem, por característica, nunca fazer um trabalho igual ao outro. Seus álbuns são sempre diferentes um do outro, seguindo por caminhos distintos e imprevisíveis. A capacidade de reinvenção deles é algo sobrehumano. Porém, a linha que seguem em "Road Salt One" começou em outro trabalho, "Be". Hoje há duas fases distintas, que poderiam ser chamadas de "antes e depois de Be". Muitos ainda preferem a sonoridade antiga - como eu - mas não pode-se negar que a nova sonoridade do grupo, descoberta depois de "Be" é algo indescritivelmente criativo. Depois de "Be", eles se tornaram um grupo mais cru, mostrando que perfeição musical não é apenas tocar milhões de notas por segundo e sim atingir em cheio o coração do ouvinte. Antes, eles tinham uma carga pesada e um som absurdamente mais trabalhado na perícia musical e ainda assim, conseguiam um equilíbrio monstro entre técnica e feeling, coisa que muitas bandas do progressivo não conseguem. Agora, o PoS é muito mais feeling do que velocidade da dedilhada, complexidade sonora ou afins. Está mais para uma viagem a lá Pink Floyd do que para a trampagem do Rush; mais para as bizarrices bacanas de Björk do que para um épico estilo Yes.
Depois de "Be", ninguém sabe o que o PoS - e em especial, o Daniel - iria fazer. Seu sucessor, "Scarsick", sacramentou as mudanças que "Be" trouxera, goste ou não - e boa parte dos fãs não engoliu - e "Road Salt One" é a evolução natural dessa nova linha de pensamento, é a consagração de algo que vem sendo trabalhado cuidadosamente por Daniel e cia.
"Road Salt One" dá uma ótima ideia do que esperar de "Road Salt Two", mas também faz crescer a vontade de ouvir o que vem além, de ouvir aquilo que nem existe, que é o que virá depois de "Road Salt Two". Se seguir a já citada evolução natural, imagino que seja algo complexo como era em sua sonoridade "pré-Be", mas com uma cara da fase "pós-Be".
Esse é um dos melhores trabalhos musiciais nos últimos anos e uma senhora lição de rock.
Road Salt One
Pain of Salvation
Inside Out Music/Hellion
1. No Way (5:26)
2. She Likes to Hide (2:57)
3. Sisters (6:15)
4. Of Dust (2:32)
5. Tell Me You Don't Know (2:42)
6. Sleeping Under the Stars (3:37)
7. Darkness of Mine (4:15)
8. Linoleum (4:55)
9. Curiosity (3:33)
10. Where It Hurts (4:51)
11. Road Salt (3:02)
12. Innocence (7:13)
Daniel Gildenlöw - vocal, guitarra e baixo
Johan Hallgren - backing vocals e guitarra
Leo Margarit - backing vocals, bateria e percussão
Fredrik Hermansson - backing vocals, piano e teclados
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